quarta-feira, 5 de março de 2014

Imagens científicas de 2013



Você consegue adivinhar o que é a imagem acima? Ela garantiu o primeiro lugar na categoria fotografia. Trata-se de minúsculos corais (em rosa e roxo) que criaram um vórtice de água para puxar nutrientes flutuantes e limpar seus resíduos. (Crédito: Vicente I. Fernandez, Orr H. Shapiro, Melissa S. Garren, Assaf Vardi, Roman Stocker)
Você consegue adivinhar o que é a imagem acima? Ela garantiu o primeiro lugar na categoria fotografia. Trata-se de minúsculos corais (em rosa e roxo) que criaram um vórtice de água para puxar nutrientes flutuantes e limpar seus resíduos. (Crédito: Vicente I. Fernandez, Orr H. Shapiro, Melissa S. Garren, Assaf Vardi, Roman Stocker).  

Essas pequenas estrelas são na realidade os tricomas (os "pelos" que ficam na superfície) da folha de uma flor do gênero Deutzia, vistos no microscópio de luz polarizada. Marceneiros japoneses utilizam essas folhas para polir madeira. (Crédito: Stephen Francis Lowry; Steve Lowry Photography) Essas pequenas estrelas são na realidade os tricomas (os “pelos” que ficam na superfície) da folha de uma flor do gênero Deutzia, vistos no microscópio de luz polarizada. Marceneiros japoneses utilizam essas folhas para polir madeira. (Crédito: Stephen Francis Lowry; Steve Lowry Photography). 

Polímeros de automontagem se organizam de tal modo que lembram uma nave espacial em escala microscópica. (Crédito: Anna Pyayt e Howard Kaplan) Polímeros de automontagem se organizam de tal modo que lembram uma nave espacial em escala microscópica. (Crédito: Anna Pyayt e Howard Kaplan). 

Essa ilustração ficou com o primeiro lugar em sua categoria. Esses neurônios foram pintados com uma técnica em que os pigmentos são soprados na tela usando jatos de ar. (Crédito: Greg Dunn, Brian Edwards, Marty Saggese, Tracy Bale, Rick Huganir) Essa ilustração ficou com o primeiro lugar em sua categoria. Esses neurônios foram pintados com uma técnica em que os pigmentos são soprados na tela usando jatos de ar. (Crédito: Greg Dunn, Brian Edwards, Marty Saggese, Tracy Bale, Rick Huganir).


Nebulosa Cabeça de Cavalo

4 A nebulosa Cabeça de Cavalo é uma das imagens mais famosas feitas pelo telescópio Hubble. Esta visão recente a mostra em comprimentos de onda infravermelhos.

Explosão solar (Foto de 2013)

15 Entre 12 e 14 de maio de 2013, o sol liberou quatro intensas explosões de radiação. Estas explosões foram do tipo mais intenso conhecido. A imagem foi feita pelo Solar Dynamics Observatory, da NASA.

O que são alimentos geneticamente modificados? É seguro comê-los?

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Provavelmente você come alimentos geneticamente modificados com frequência e nem saiba disso. O advento da produção de organismos geneticamente modificados trouxe discursos sobre como esses alimentos poderiam reduzir os índices de pobreza e acabar com a fome no mundo. Duas décadas depois, os transgênicos ainda dividem a opinião pública e geram desconfiança.
Os principais questionamentos dos céticos são sobre as implicações éticas, econômicas, sociais, políticas e de saúde pública. Muita gente teme possíveis efeitos negativos para os seres humanos e para o meio-ambiente a longo prazo com a manipulação genética da natureza, já que o produção de alimentos transgênicos em larga escala é relativamente recente. 

Será que podemos ficar tranquilos ao ingerir alimentos geneticamente modificados? De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), sim.
As organizações são unânimes em afirmar que os transgênicos são seguros. Elas defendem que a tecnologia de manipulação genética realizada sob o controle dos protocolos de segurança não representa maior risco do que as técnicas agrícolas convencionais de cruzamento de plantas.

A história dos alimentos geneticamente modificados

Mas afinal, o que são alimentos geneticamente modificados? Por que eles começaram a ser produzidos?
Organismos geneticamente modificados (OGM) são manipulados geneticamente para favorecer características desejadas, como a cor ou o tamanho de uma espiga de milho. Os mais famosos OGM são os transgênicos, ou seja, os organismos que recebem parte do DNA de outro organismo. Também é possível alterar um gene sem DNA externo.
Apesar da produção em larga escala dos OGM ser recente, a história da manipulação genética das plantas tem pelo menos 10 mil anos, quando os seres humanos começaram a escolher os melhores grãos de cereais para plantar, os que produziam quantidades maiores e cresciam mais rapidamente, excluindo sementes com genética desfavorável à agricultura e cruzando as melhores plantas.
Mas, mesmo que as pessoas saibam domesticar as colheitas há milhares de anos, não quer dizer que elas entendiam porque tudo acontecia. Só no século 19, com a experiência de Gregor Mendel com ervilhas, a ciência genética moderna surgiu. E foi apenas na década de 1970 que os cientistas Herbert Boyer e Stanley Cohen foram capazes de afetar diretamente a expressão do genoma de uma planta. Essa intervenção direta, conhecida como engenharia genética, envolve mutação, exclusão ou adição de material genético para alcançar o efeito desejado.
A capacidade de suportar pragas é apenas uma das características positivas que foram alcançadas com a modificação transgênica. Desde a primeira safra de OGM plantada em 1994, cientistas e empresas agrícolas conseguiram criar culturas resistentes a doenças, com melhores valores nutricionais, com validade mais longa e até produzir produtos farmacêuticos.
Atualmente, 85% das lavouras de milho do Brasil e dos Estados Unidos são variedades transgênicas. A soja brasileira – consumida pela população no óleo de cozinha, leite de soja, tofu, bebidas e outros produtos – é transgênica, na maior parte. Quase um terço das imensas plantações de soja no país são variedades geneticamente modificadas. Em 2001, a Empresa Brasileira para Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, conseguiu aprovação para o cultivo comercial de uma variedade geneticamente modificada do feijão. As sementes devem ser distribuídas aos produtores brasileiros ainda em 2014. Assim, o prato do brasileiro recebe cada vez mais alimentos modificados geneticamente.

Riscos

Todos os dias, os seres humanos consomem entre 0,1 e 1 grama de DNA em sua dieta. Portanto, os transgenes de plantas geneticamente modificadas não são um material novo para os sistemas digestivos, além de estarem presentes em quantidades ínfimas. No milho transgênico, os transgenes representam cerca de 0,0001% do DNA total.
Décadas de pesquisa indicam que o DNA não tem toxidade direta na alimentação. Pelo contrário, uma pesquisa de 1999 mostrou que nucleotídeos exógenos desempenham papeis importantes do intestino e sistema imunológico.
Apesar da enorme desconfiança da população europeia com alimentos geneticamente modificados, a União Europeia, como parte da iniciativa Europa 2020, gastou uma década (e centenas de milhões de euros) investigando a segurança e a eficiência dos OGM, e descobriu que eles não representam riscos à saúde dos cidadãos.
O maior perigo dos OGM é que uma nova cultura em ascensão leve agricultores a produzirem apenas a nova variedade de um alimento, e cultivá-la em excesso. Assim, se surgir uma praga inesperada da qual a planta não esteja protegida, ela poderia ser devastada e até mesmo entrar em extinção. Os efeitos econômicos seriam devastadores.
Outra questão é que as corporações agrícolas que desenvolvem os OGM viram proprietárias das sementes. Isso pode levar a um potencial abuso ou manipulações forçadas que obriguem os agricultores a comprar sementes apenas de uma empresa, e seus respectivos agrotóxicos.
Tudo indica que os alimentos geneticamente modificados não são uma ameaça, apenas mais uma ferramenta que deve ser utilizada de forma inteligente. Assim como a tecnologia nuclear tem sido utilizada para destruir cidades ou produzir energia, a modificação genética pode ser valiosa – ou negativa – para a sociedade, dependendo do modo como a utilizarmos. [GizModo/Wikipedia/Terra]

Uso de paracetamol na gravidez x déficit de atenção e hiperatividade nos filhos.

 Tá explicado! 

Uso de paracetamol na gravidez pode levar a déficit de atenção e hiperatividade nos filhos

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Paracetamol (ou acetaminofeno), encontrado em diversos remédios como Excedrin e Tylenol, fornece alívio para dores de cabeça e dores musculares. Quando usado adequadamente, é considerado na sua maioria inofensivo. Nas últimas décadas, a droga tornou-se o medicamento mais comumente usado por mulheres grávidas para febres e dores.
Agora, um estudo de longo prazo feito pela Universidade da Califórnia em Los Anegeles (EUA), em colaboração com a Universidade de Aarhus, na Dinamarca, tem levantado preocupações sobre o uso do paracetamol durante a gravidez. 
O estudo mostrou que tomar a droga durante a gravidez está associado a um risco maior de crianças com transtorno hiperquinético ou hipercinético, uma forma particularmente grave do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
TDAH, um dos transtornos neurocomportamentais mais comuns em todo o mundo, é caracterizado por desatenção, hiperatividade, aumento da impulsividade e desregulação motivacional e emocional.
“As causas do TDAH e transtorno hipercinético não são bem compreendidas, mas ambos fatores ambientais e genéticos contribuem claramente”, disse Beate Ritz, uma das autores sêniores do estudo. “Sabemos que tem havido um rápido aumento em distúrbios neurológicos, incluindo TDAH, ao longo das últimas décadas, e é provável que o aumento não seja apenas atribuído a melhores diagnósticos ou sensibilização dos pais. É provável que existam componentes ambientais também”.
Por conta disso, os pesquisadores resolveram procurar causas ambientais evitáveis que poderiam desempenhar um papel na doença. Parte da neuropatologia pode já estar presente no momento do nascimento, fazendo com que a exposição durante a gravidez e/ou infância fosse de interesse particular. Como o paracetamol é o medicamento mais comumente usado para dor e febre durante a gravidez, os cientistas focaram nele.

O estudo

Os pesquisadores usaram um estudo nacional dinamarquês sobre gestações que incide especialmente sobre os efeitos colaterais dos medicamentos e infecções. Eles estudaram 64.322 crianças e mães com dados de 1996 a 2002. O uso do paracetamol durante a gravidez foi determinado por meio de entrevistas telefônicas realizadas até três vezes durante a gravidez, e seis meses após o parto.
Os pesquisadores acompanharam os pais até quando seus filhos atingiram a idade de 7 anos, perguntando sobre os problemas comportamentais das crianças através de um questionário padrão que avalia cinco domínios, incluindo sintomas emocionais, problemas de conduta, hiperatividade, relações entre pares e comportamento social.
Além disso, obtiveram diagnósticos de transtorno hipercinético entre as crianças do estudo a partir de registros de hospitais dinamarqueses.
Mais da metade de todas as mães relataram o uso de paracetamol durante a gravidez. Os pesquisadores descobriram que as crianças cujas mães usaram a droga tinham um risco 13 a 37% maior de receber um diagnóstico hospitalar de distúrbio hipercinético, ser tratado com medicamentos de TDAH ou apresentar comportamentos de TDAH aos 7 anos.
Quanto mais tempo o paracetamol foi tomado – ou seja, nos segundo e terceiro trimestres de gravidez -, mais fortes foram as associações. Os riscos foram elevados para 50% ou mais quando as mães tinham usado o analgésico comum por mais de 20 semanas na gravidez.

Conclusão

“Sabe-se a partir de dados obtidos em estudos com animais que o paracetamol é um disruptor hormonal, e exposições hormonais anormais na gravidez podem influenciar o desenvolvimento cerebral do feto”, disse Ritz.
Paracetamol pode atravessar a barreira placentária, por isso é plausível que a droga possa interromper o desenvolvimento do cérebro fetal, interferindo com hormônios maternos ou através de neurotoxicidade, como a indução de estresse oxidativo, que pode causar a morte de neurônios.
“Precisamos de mais pesquisas para verificar estes resultados, mas se eles se mostrarem verdadeiros, então o paracetamol não deve mais ser considerado uma droga segura para o uso durante a gravidez”, disse o Dr. Jørn Olsen, outro autor sênior do estudo. [ScienceDaily]

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Pulmões funcionais.

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Pulmões são órgãos notoriamente delicados, o que faz com que doadores utilizáveis sejam difíceis de se conseguir.
No entanto, pesquisadores da Universidade do Texas (EUA) estão chegando mais perto de enfrentar a escassez de pulmões, criando-os em laboratório. 
Os cientistas usaram pulmões danificados de duas crianças que morreram em acidentes de carro. Com engenharia de tecidos, arrancaram todas as células dos pulmões e deixaram para trás apenas sua “forma”, a intrincada teia de proteínas que mantém as células no lugar.
Em seguida, revestiram esta estrutura com células pulmonares viáveis de um segundo par de pulmões, não adequados para transplante. Finalmente, os cientistas colocaram os órgãos resultantes em um banho de nutrientes durante quatro semanas, para permitir que as células crescessem e recriassem totalmente o tecido pulmonar. 
Os novos pulmões eram idênticos em aparência ao órgão real, apenas mais suaves e menos densos. Eles não chegaram a ser transplantados, mas a tecnologia poderia um dia ajudar a encurtar a lista de pessoas à espera de doadores.
Outras pesquisas já tentaram fazer o mesmo – criar pulmões em laboratório -, mas retirar todas as células de um órgão era uma tarefa que podia levar até quatro meses para ser concluída. 
Na imagem A é possível ver a estrutura antes das novas células serem incluídas. O produto final é a imagem B.
O estudo recente introduziu um dispositivo que acelerou esse processo a até três dias. Os pulmões resultantes são brancos, por causa da falta de fluxo de sangue no novo órgão.
E quando é que esses pulmões renovados vão salvar a primeira vida humana? 
Vai demorar. Embora a equipe tenha sido bem sucedida neste primeiro passo, precisa de pelo menos 10 anos de avaliações para assegurar que pessoas possam receber o órgão artificialmente criado.
A boa notícia é que os pesquisadores já planejam começar a testar os pulmões cultivados em laboratório em suínos no próximo ano. [DiscoverMagazine]


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Ler preserva a memória.


 Atividades que exercitam o cérebro, como ler, diminuem até 15% perda de memória
 Atividades que exercitam o cérebro, como ler, diminuem até 15% perda de memória.
 
Cultivar o hábito de ler e escrever regularmente pode contribuir para preservar a memória por mais tempo. Estudo feito por pesquisadores do Centro Médico da Universidade Rush, de Chicago, com 294 idosos indica que se dedicar a esse tipo de atividade reduz a velocidade do processo de deterioração mental (Neurology, 3 de julho). Essas práticas saudáveis podem diminuir até 15% o ritmo de progressão da perda da memória. ”Nosso estudo mostra que adotar atividades que estimulam o cérebro ao longo da vida, desde a infância até a idade avançada, é importante para manter a saúde mental na velhice”, diz Robert S. Wilson, principal autor do trabalho. Não abandonar esse estilo de vida com o passar dos anos também se mostrou importante. O declínio cerebral entre os idosos que liam ou escreviam com frequência ainda na velhice ocorreu em um ritmo 32% mais lento do que entre os que faziam isso com uma constância menor. Os velhos que quase nunca se dedicavam a essas atividades apresentaram uma velocidade de deterioração mental 48% maior do que os que liam e escreviam esporadicamente. Os pesquisadores acompanharam os participantes do estudo durante cerca de seis anos, até o momento de sua morte, em média aos 89 anos. Anualmente, submeteram os idosos a testes de memória e cognição e os entrevistaram sobre seus hábitos de leitura ao longo da vida. Fizeram ainda uma autópsia no cérebro dos velhos para determinar a incidência de lesões e placas associadas a demências.

Mentes persistentes.

Pesquisadores querem entender o que faz o cérebro de algumas pessoas resistir aos efeitos do mal de Alzheimer
Os cérebros de quatro senhoras com idades entre 80 e 82 anos que morreram recentemente em São Paulo contam um pouco mais sobre a complexidade do mal de Alzheimer. Amostras desses cérebros, doados ao banco de encéfalos da Universidade de São Paulo (USP), foram analisadas ao microscópio e revelaram o amontoado de placas e emaranhados de proteínas que são a marca típica dos estágios avançados do Alzheimer. Era de esperar, portanto, que essas mulheres tivessem sofrido na última década de vida sérios problemas de perda de memória e de cognição, como dificuldade de se expressar e de perceber o espaço a sua volta. Entrevistas com familiares e cuidadores das idosas, porém, provaram que elas viveram lúcidas até o fim.
“Ninguém entende exatamente por que essas pessoas não desenvolveram demência”, admite o neuroanatomista Carlos Humberto Andrade-Moraes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu doutorado, feito sob a supervisão do neurocientista Roberto Lent, da mesma universidade, é o primeiro no mundo a analisar o número total de células do cérebro de idosos conhecidos como doentes de Alzheimer assintomáticos. O estudo, publicado com outros pesquisadores da UFRJ e da USP em dezembro na Brain, concluiu que o número de neurônios dos assintomáticos é praticamente igual ao de idosos saudáveis, diferentemente do que se vê no cérebro de pessoas com Alzheimer que desenvolvem demência, a perda de memória e da capacidade cognitiva. Na demência há uma redução drástica de neurônios no hipocampo e no córtex, as regiões cerebrais responsáveis pela consolidação da memória e pelo raciocínio.
Em média, uma em cada 10 pessoas com mais de 65 anos apresenta os sinais clínicos do Alzheimer. A doença se manifesta primeiro com pequenos deslizes de memória, que com o tempo ficam mais frequentes, seguidos de falhas no julgamento moral, na percepção do espaço e do tempo e do aumento na dificuldade de se comunicar. A sobrevida média é de oito anos, ao longo dos quais os sintomas se agravam até a incapacitação total.
Há algum tempo se sabe que a demência é provocada pela destruição das sinapses, os trilhões de conexões entre os 86 bilhões de neurônios, as células cerebrais que armazenam e transmitem informações, das quais emergem as memórias e os pensamentos. Um neurônio saudável recebe até 10 mil sinapses de outros neurônios, trocando sinais elétricos e substâncias que o mantêm vivo. Impedidos de manter as sinapses no Alzheimer, os neurônios atrofiam e morrem. Como consequência, o volume do hipocampo e a espessura do córtex diminuem, o que pode ser visto em imagens de ressonância magnética. Segundo o neurologista Márcio Balthazar, que atende pessoas com Alzheimer no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as neuroimagens podem ajudar no diagnóstico da doença, mas ainda não substituem os testes laboratoriais, clínicos e psicológicos.
Em parceria com o neurologista Fernando Cendes, da Unicamp, Balthazar e seus colaboradores vêm apostando no aperfeiçoamento de uma nova forma de identificar o Alzheimer precocemente: o uso de neuroimagens para avaliar a atividade cerebral, e não apenas a anatomia. A ideia é observar em imagens de ressonância magnética funcional a atividade do cérebro quando os pacientes estão relaxados, sem pensar em nada. “Mesmo com a pessoa em repouso, vemos que algumas áreas do cérebro são ativadas simultaneamente, pulsando em uma mesma frequência, o que sugere que sejam grupos de neurônios se comunicando”, explica Balthazar. “Uma pessoa com Alzheimer tem essa rede menos conectada.”
Em artigo publicado em novembro na Psychiatric Research: Neuroimaging, o grupo da Unicamp conseguiu distinguir com cerca de 70% de acerto as neuroimagens da atividade cerebral em repouso de pessoas com sintomas moderados de demência daquelas de idosos saudáveis. Os pesquisadores observaram ainda uma relação entre as falhas de conexão da rede e o grau de perda de memória.
Quanto mais cedo melhor
“Esperamos aperfeiçoar o método para realizar o diagnóstico cada vez mais precocemente”, conta Balthazar. Apesar de o Alzheimer permanecer sem cura, quanto antes o diagnóstico for feito mais eficazes são as intervenções que aliviam os sintomas: o uso de inibidores de acetilcolinesterase e a realização de terapia ocupacional, reabilitação psicológica e atividade física, além do planejamento da família para o futuro.
Como a demência senil pode ter outras causas – problemas vasculares e outras doenças degenerativas –, o diagnóstico do Alzheimer em geral só é confirmado após a morte. A autópsia do tecido cerebral revela um excesso das chamadas placas neuríticas, ancoradas em ramificações dos neurônios, e dos emaranhados neurofibrilares, no interior dos neurônios atrofiados. Esses sinais são encontrados especialmente no hipocampo e no córtex cerebral. Até alguns anos atrás, a maioria dos pesquisadores acreditava que as placas neuríticas eram as responsáveis pelas disfunções sinápticas. Mas estudos recentes feitos pela equipe da neurocientista Fernanda De Felice e do bioquímico Sergio Teixeira Ferreira, ambos da UFRJ, vêm demonstrando que as placas, apesar de tóxicas, não são a causa principal da eliminação das sinapses e da morte dos neurônios (ver Pesquisa FAPESP n. 157).
De fato, as placas são formadas pelo acúmulo de pequenas moléculas de beta-amiloide. Normalmente produzida pelo cérebro, essa proteína sofre deformações no Alzheimer. Muitos pesquisadores, porém, hoje acreditam que são amontoados bem menores de beta-amiloide – os oligômeros, capazes de se difundir para dentro e para fora dos neurônios – os responsáveis por interferir nas sinapses. Outras pesquisas sugerem que esses oligômeros também formam os emaranhados neurofibrilares, que impedem o transporte de substâncias dentro dos neurônios e contribuem para a sua morte. Segundo esse raciocínio, a formação das placas seria uma tentativa do organismo de varrer os oligômeros para fora das células e para longe das sinapses. “As placas seriam protetoras e não causadoras da demência”, diz Andrade-Moraes.
A descoberta dos doentes de Alzheimer assintomáticos reforçou essa hipótese. As primeiras descrições desses casos surgiram em estudos que acompanharam centenas de idosos nos Estados Unidos. A comparação dos exames clínicos a que essas pessoas eram submetidas periodicamente com a análise de seus cérebros após a morte revelou que de 25% a 40% dos casos diagnosticados histologicamente como sendo Alzheimer não haviam desenvolvido demência. “Embora permaneça duvidoso se esses indivíduos continuariam clinicamente normais se tivessem vivido mais tempo, eles parecem ter sido capazes de compensar ou atrasar o aparecimento dos sintomas de demência”, escreveu em 2012 o neuropatologista Juan Troncoso, da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, um dos primeiros a chamar a atenção para os pacientes assintomáticos.
Segundo Andrade-Moraes, antes do estudo publicado na Brain nenhum trabalho sobre o impacto do Alzheimer no número de células do cérebro havia comparado indivíduos com e sem demência. “Queríamos saber se os assintomáticos teriam alguma alteração na composição das células cerebrais”, ele diz.
A pesquisa foi feita em parceria com a equipe da neuropatologista Lea Grinberg, coordenadora do Banco de Encéfalos Humanos da USP, que, além de analisar os cérebros de idosos mortos em São Paulo, investiga, por meio de questionários com familiares e cuidadores, como era o desempenho cognitivo dessas pessoas até 10 anos antes de sua morte.
Os pesquisadores da USP e da UFRJ selecionaram 14 cérebros de mulheres que morreram entre os 71 e os 88 anos (a prevalência do Alzheimer é um pouco maior entre as mulheres). Cinco tinham um nível de placas considerado normal para a idade, enquanto as demais apresentavam o excesso característico do Alzheimer. Dessas últimas, cinco apresentavam sinais de demência e quatro eram assintomáticas.
Menos neurônios, mais glia
Os cérebros foram processados na UFRJ em uma máquina, o fracionador isotrópico automático, construído pela equipe de Lent (ver Pesquisa FAPESP nº 192). A máquina transforma porções de cérebro em uma suspensão homogênea, contendo o núcleo das células. Anticorpos coloridos que se ligam ao núcleo dos neurônios permitem distingui-los das demais células do cérebro, as células da glia.
Como esperado, o hipocampo das mulheres com demência tinha metade do número de neurônios encontrado no hipocampo das saudáveis e das assintomáticas – aquelas com demência também tinham menos neurônios no córtex todo. Ao mesmo tempo, o cérebro das pessoas com demência tinha uma proporção maior de células da glia. “Essas células aumentam de número para proteger os neurônios, mas com o progresso da doença provocam uma inflamação que piora os sintomas de demência”, explica Andrade-Moraes. Ele, porém, não encontrou diferença significativa -– no número de neurônios e de células da glia – entre o cérebro de idosos saudáveis e o de idosos com Alzheimer assintomáticos.
“Os assintomáticos devem possuir algum mecanismo fisiológico desconhecido que protege suas redes de neurônios dos efeitos dos oligômeros”, suspeita. “Algo afasta os oligômeros das sinapses, agregando-os rapidamente em placas.”
Para ele, um candidato a explicar esse mecanismo é a atuação mais eficiente da insulina no cérebro dos assintomáticos. Diferentemente do que ocorre em outros órgãos, o papel da insulina no cérebro parece não ser o controle do metabolismo de açúcar, mas a consolidação da memória e a formação de novas sinapses. Experimentos in vitro e com animais feitos por Fernanda De Felice e Sérgio Ferreira vêm demonstrando que a insulina protege os neurônios da ação dos oligômeros. Em artigo publicado em dezembro na Cell Metabolism, eles apresentaram novos mecanismos neuronais que provocam a perda de sinapses em camundongos e macacos com sinais semelhantes aos de Alzheimer. Parte do doutorado de Mychael Lourenço, esse trabalho mostrou ainda que um remédio usado para tratar diabetes tipo 2, a liraglutida, bloqueou os danos neuronais em modelos animais de Alzheimer. Atualmente uma equipe do Imperial College de Londres testa a liraglutida em 200 pessoas com Alzheimer.
Outra hipótese é que os assintomáticos possuem uma maior reserva cognitiva, talvez resultado de uma rede de sinapses mais complexa do que a dos que desenvolvem demência. Essa reserva permitiria resistir mais aos efeitos dos oligômeros. Essa ideia vem da observação de que os assintomáticos costumam ser pessoas com um nível de escolaridade maior ou que aprenderam a falar e a escrever cedo na infância. Na Unicamp, Balthazar tenta confirmar o efeito protetor da reserva cognitiva comparando a conectividade das redes neuronais em pacientes idosos com diferentes graus de escolaridade, hábitos de leitura e vida social. n
Projetos
Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia – Brainn (n° 2013/07559-3); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Fernando Cendes – FCM/Unicamp; Investimento R$ 13.621.302,32 (FAPESP).

Pesquisadores identificam ancestral dos vertebrados de quatro patas.

Peixe pulmonado africano é agora considerado o parente mais próximo dos tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros
Protopterus annectens é uma espécie africana bastante primitiva de peixe pulmonado com nadadeiras lobadas
Protopterus annectens é uma espécie africana bastante primitiva de peixe pulmonado com nadadeiras com ossos
A transição dos vertebrados da água para a terra constitui um dos principais capítulos de nossa história evolutiva. Agora, a partir do sequenciamento do genoma do celacanto – espécie de peixe africano –, uma rede interdisciplinar de pesquisadores internacionais verificou a existência de novas evidências de que outra espécie africana bastante primitiva de peixe pulmonado com nadadeiras lobadas, conhecida como Protopterus annectens, pode ser, do ponto de vista evolutivo, o parente mais próximo dos tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros, no qual estão inclusos animais como ratos, cachorros e também o ser humano.
Até então se acreditava que o celacanto poderia igualmente ser um provável candidato a ancestral dos tetrápodes. Isso porque, assim como os peixes pulmonados, o celacanto também possui nadadeiras lobadas, isto é, nadadeiras com ossos que, nos animais de quatro patas, correspondem aos ossos dos braços e pernas. No estudo, que é capa da edição desta semana da revista Nature, os pesquisadores sequenciaram o material genético do celacanto – composto por aproximadamente três bilhões de “letras químicas” e de tamanho semelhante ao do genoma humano – e compararam alguns trechos com o material genético do P. annectens e de outras 20 espécies de vertebrados.
Além de concluir que os tetrápodes estão mais próximos evolutivamente dos peixes pulmonados do que dos celacantos, o grupo de pesquisadores confirmou algo de que já suspeitava: que os genes dos celacantos estão evoluindo mais lentamente em comparação com outros organismos vivos. “Essa é uma das razões pelas quais essa espécie de peixe se assemelha morfologicamente aos esqueletos fossilizados de seus ancestrais de mais de 300 milhões de anos”, comentou o biólogo brasileiro Igor Schneider, da Universidade Federal do Pará e um dos pesquisadores envolvidos no estudo.
A hipótese para essa lentidão nos índices de evolução dos genes é que os celacantos não enfrentaram condições ambientais que favorecessem o acúmulo de alterações genéticas. Eles continuam vivendo primariamente na costa leste da África e, pelo fato de se parecerem muito com os fósseis de milhões de anos atrás, são considerados pelos biólogos como “fósseis vivos”.
Contudo, apesar de as evidências sugerirem que os peixes pulmonados estão evolutivamente mais próximos dos tetrápodes, estudos filogenéticos envolvendo os celacantos continuam sendo fundamentais para a compreensão de como os vertebrados conseguiram migrar da água para a terra. Isso porque os peixes pulmonados ainda não têm seu genoma sequenciado – estima-se que tais peixes tenham um genoma de aproximadamente 100 bilhões de “letras”.
© BROKENSPHERE/WIKIMEDIA
O DNA do peixe Latimeria chalumnae foi estudado pelos pesquisadores no Brasil
O genoma do peixe Latimeria chalumnae (celacanto) foi sequenciado e estudado pelos pesquisadores no Brasil
Schneider e seu grupo de pesquisadores são responsáveis por parte dos experimentos que compõem o estudo. No Brasil, eles identificaram a partir de amostras do código genético do Latimeria chalumnae, espécie de celacanto analisada, trechos do DNA do peixe responsáveis pela ativação de genes que codificam proteínas relacionadas ao desenvolvimento de membros. “Como se fossem interruptores gênicos”, explica o biólogo.
Em seguida, eles inseriram trechos desses interruptores em embriões de camundongos transgênicos. Ao fazerem isso, verificaram que, mesmo sendo duas espécies separadas por milhões de anos de evolução, os genes responsáveis pelo desenvolvimento de membros nos celacantos ativaram os mesmos mecanismos para o surgimento de membros nos camundongos. “Isso significa que os genes associados ao desenvolvimento de membros já existiam no material genético dessa espécie primitiva de peixes há mais de 300 milhões de anos”, ressalta Schneider.
Assim, o celacanto continua a fornecer uma oportunidade única para identificar mudanças genômicas associadas à adaptação bem-sucedida dos vertebrados tetrápodes ao meio ambiente terrestre. Para entender melhor como se deu essa adaptação, os pesquisadores analisaram o genoma do peixe a fim de identificar genes que ao longo de mais de 400 milhões de anos foram sendo eliminados, já que não eram mais necessários, dadas as condições de vida em terra.
Ao menos 50 genes foram eliminados durante o surgimento dos tetrápodes. Ainda, a substituição desses genes por outros elementos regulatórios no decorrer dessa transição permitiu a esses animais desenvolverem novas habilidades que os ajudaram a melhor se adaptar a esse novo ambiente, como, por exemplo, percepção de cheiro e odores transportados pelo ar, mudanças no sistema imunológico, além de regiões genéticas que podem ter sido evolutivamente recrutadas para o desenvolvimento de membros como dedos e polegares.
De acordo com os pesquisadores, estudos mais detalhados sobre essas mudanças entre celacantos e tetrápodes podem ajudar a compreender melhor como organismos complexos, a exemplo dos vertebrados, podem se adaptar a novos ambientes.
Artigo científico
AMEMIYA, CT et al. “The African coelacanth genome provides insights into tetrapod evolution”. Nature. v. 496. p. 311-316. 18 abr. 2013.

Comportamento animal (abelhas).

Estranha no ninho

Rainha forasteira invade colmeia órfã e assume o comando das operárias
A abelha rainha, marcada com etiqueta: eleita pelas irmãs para receber dieta especial e ser a procriadora do grupo

A abelha rainha, marcada com etiqueta: eleita pelas irmãs para receber dieta especial e ser a procriadora do grupo
As abelhas da espécie Melipona scutellaris, comuns na região Nordeste do Brasil, são conhecidas por não ferroarem (têm um ferrão atrofiado), por produzirem mel em abundância e por gerarem muitas rainhas numa mesma colônia. Apenas uma, no entanto, é escolhida para comandar a colmeia. Às outras, quando não são mortas pelas operárias, resta respeitar a linha sucessória e aguardar pacientemente a morte da soberana original. Ou, se derem sorte, abandonar a casa de origem e formar novas colônias com parte das operárias-irmãs. Até pouco tempo atrás essas eram as únicas formas conhecidas pelas quais as abelhas aspirantes ao papel de rainha – os biólogos as chamam de rainhas virgens – podiam ascender ao poder. Agora se sabe que esse repertório é maior.
Estudos realizados pela bióloga Denise de Araujo Alves e seus colaboradores revelam que as abelhas Melipona scutellaris, mais conhecidas como uruçu-nordestina, podem adotar um terceiro e mais arriscado caminho para chegar ao topo da hierarquia social. Em muitas situações, as rainhas virgens escapam de serem mortas pelas operárias e abandonam seus próprios ninhos. Durante a fuga, elas conseguem identificar e invadir colmeias que se tornaram órfãs com a morte da soberana original, mãe das demais abelhas da colônia. Com essa estratégia furtiva, abelhas sem um reino próprio agem como parasitas sociais: conseguem se impor às operárias que não são suas parentes e se beneficiam do trabalho delas. “É a luta pela sobrevivência”, conta Denise, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.
Os trabalhos de Denise indicam ainda que as invasões têm hora marcada. Acontecem ao cair da tarde, quando é quase noite e as operárias que fazem a guarda dos ninhos estão menos alertas. “Parece ser uma ação calculada”, completa a bióloga.
A hipótese da ocupação de colônias por rainhas invasoras foi sugerida pela primeira vez em 2003 pelo pesquisador holandês Marinus Sommeijer. Trabalhando com abelhas Melipona favosa na Costa Rica e em Trinidad e Tobago, Sommeijer e sua equipe notaram que algumas colônias pareciam ter sido invadidas por forasteiras. Mas suas observações não permitiam confirmar a suspeita. Em 2008, durante seu doutorado, Denise e seus colaboradores decidiram retomar o problema e acompanharam duas populações de Melipona scutellaris – uma mantida no Laboratório de Abelhas do Instituto de Biociências da USP, em São Paulo, e outra na fazenda Aretuzina, em São Simão, no interior do estado, de propriedade de Paulo Nogueira-Neto, um dos pioneiros nas pesquisas com abelhas sem ferrão. Nessas duas populações, a pesquisadora coletou pupas de operárias de 23 ninhos em dois momentos: antes e depois da substituição das rainhas-mãe. Ao comparar as características genéticas da prole de cada colônia, os pesquisadores esperavam descobrir se a rainha morta havia sido substituída por outra rainha da própria colônia ou por uma invasora.
Na Universidade de Leuven, na Bélgica, em parceria com o biólogo Tom Wenseleers, Denise analisou o parentesco das pupas com uso de marcadores genéticos e verificou que os 23 ninhos haviam passado por 24 trocas de rainhas. Em seis casos (25% do total), o comando da colmeia havia sido conquistado por uma rainha invasora – essas abelhas são chamadas de parasitas sociais porque seus descendentes recebem os cuidados de operárias com as quais não têm parentesco genético.
“A invasão permite agora entender por que em algumas espécies é comum encontrar tantas rainhas num mesmo ninho”, explica a bióloga Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, uma das mais respeitadas estudiosas de abelhas no país e orientadora de Denise no doutorado. Segundo Denise, a presença de várias rainhas numa mesma colônia era entendida como uma espécie de reserva para a eventual morte da soberana original ou para a fundação de um ninho-filho. “Mostramos que, caso escapem de serem mortas em suas colônias natais, algumas rainhas saem delas, acasalam com machos nas proximidades do ninho e penetram, já fecundadas, em colônias órfãs da população”, diz a bióloga. Uma vez instaladas nas novas colônias, essas rainhas iniciam a postura de ovos e se aproveitam do trabalho de operárias não aparentadas para manter sua prole.
Ao anoitecer
Depois de comprovar a existência de rainhas invasoras, Denise começou a investigar a razão do sucesso das forasteiras. Em outro trabalho feito em parceria com o grupo de Leuven, os pesquisadores brasileiros acompanharam por dois meses o cotidiano de oito colônias de Melipona scutellaris no Laboratório de Comportamento e Ecologia de Insetos Sociais da USP em Ribeirão Preto, coordenado por Fábio Nascimento. Entre fevereiro e março de 2012, a equipe identificou 520 rainhas virgens e marcou cada uma com um minúsculo chip no tórax. Um leitor instalado na entrada de cada colônia registrava a passagem dessas abelhas – tanto as do próprio ninho quanto as invasoras.
© DENISE DE ARAÚJO ALVES/USP-RIBEIRÃO PRETO
Chip permitiu rastrear rainhas virgens que ocuparam ninhos vagos após a morte da rainha original
Chip permitiu rastrear rainhas virgens que ocuparam ninhos vagos após a morte da rainha original
Nos 40 dias em que acompanharam a movimentação das rainhas, os pesquisadores identificaram o trânsito de oito rainhas, das quais três eram parasitas sociais. De acordo com os dados, apresentados na edição de setembro da Animal Behaviour, as invasões aconteceram sempre ao cair da tarde ou no começo da noite, entre as 17 e as 20 horas. “Durante o dia há uma movimentação intensa de entrada de pólen e néctar na colmeia e muitas operárias ficam alertas, tomando conta das entradas das colônias para evitar furtos dos seus estoques de alimento”, conta Denise. “É difícil furar esse bloqueio.” Já no final da tarde, quando a busca por comida diminui e a luminosidade é mais baixa, essa vigilância fica reduzida e as rainhas parasitas aproveitam esses descuidos. Denise suspeita que as rainhas invasoras identifiquem as colônias órfãs guiando-se por pistas químicas. “Nossos dados mostraram que as rainhas entram nos ninhos no fim da tarde e que só invadem os ninhos órfãos”, conta.
Além das implicações evolutivas desse fenômeno, as invasões de colmeias pode influenciar o trabalho dos criadores de abelhas, que normalmente selecionam e dividem os ninhos levando em conta a capacidade de produção de mel de uma colônia. “Com o parasitismo, outra linhagem genética toma conta da colônia e a eficiência de produção pode mudar com o nascimento de operárias filhas da rainha invasora”, alerta Denise. Do ponto de vista ecológico, a ocupação do ninho alheio representa um mecanismo eficiente de dispersar seus genes. “Dessa maneira, a variabilidade genética de uma população pode ser alterada porque o parasitismo social pode aumentar o fluxo gênico entre populações.”
Para Vera Fonseca, o que Denise observou nas colmeias de Melipona scutellaris pode ser um fenômeno mais geral, que ocorre com outras espécies do gênero Melipona e com abelhas com ferrão. “Com as mudanças climáticas, as Melipona scutellaris provavelmente irão buscar ambientes a que se adaptem melhor”, diz Vera, que é professora na USP em São Paulo. “Caso seja necessário fazer o deslocamento assistido dessa espécie, é relevante conhecer como essas abelhas estruturam geneticamente a sua população.”
Como próximo passo, Denise planeja usar os chips e os detectores para estudar a dinâmica de espécies que produzem poucas rainhas. “Queremos verificar se esse comportamento invasivo também ocorre em outras espécies que não pertençam ao gênero Melipona”, diz.
Projetos
1. Parasitismo social intraespecífico como estratégia reprodutiva em abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) (2010/19717-4); Modalidade bolsa de pós-doutorado; Coord. Denise de Araujo Alves/USP-RP; Investimento R$ 237.463,20 (FAPESP).
2. Mediação comportamental, sinalização química e aspectos fisiológicos reguladores da organização social em himenópteros (2010/10027-5); Modalidade Jovem Pesquisador; Coord. Fábio Santos do Nascimento/USP-RP; Investimento R$ 260.000,00 (FAPESP).
Artigos científicos
VAN OYSTAEYEN, A. et al. Sneaky queens in Melipona bees selectively detect and infiltrate queenless colonies. Animal Behaviour. v. 86, n.3, p. 603-9. Set. 2013.
WENSELEERS, T. et al. Intraspecific queen parasitism in a highly eusocial bee. Biology Letters. v. 7, p. 173-6. 2010.

É pau, é pedra...

Plantas petrificadas revelam como era há quase 300 milhões de anos a paisagem onde agora ficam Tocantins e São Paulo
Anatomia fóssil revelada ao microscópio

Anatomia fóssil revelada ao microscópio
Samambaiaçus de 15 metros de altura ao longo dos rios e coníferas nas áreas mais secas. Em menor quantidade, plantas aparentadas às atuais cavalinhas (que se parecem com canudos verticais não mais longos do que 1,5 metro) nos dois ambientes. Era essa a vegetação de uma área próxima ao município de Filadélfia, no Tocantins, no início do Permiano, há quase 300 milhões de anos. Nesse período, os blocos que formam a América do Sul eram agrupados de modo bem diferente e estavam mais ao sul no planeta – a região onde está São Paulo, por exemplo, era coberta por geleiras. À medida que esses blocos migraram para regiões mais quentes da Terra, a flora pôde migrar. Mais próximo ao fim do Permiano, cerca de 270 milhões de anos atrás, já havia vegetação onde agora é o interior paulista.
“Eu apostava que encontraria mais semelhanças entre os fósseis desse período encontrados na bacia do Parnaíba, no Nordeste, e os achados na bacia do Paraná, no Sudeste”, diz a paleobotânica Rosemarie Rohn Davies, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. “Mas só as samambaias são parecidas.” Esse retrato de um passado distante é resultado do testemunho de troncos e folhas petrificadas, estudados pela equipe de Rosemarie e por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com financiamento da FAPESP, e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A análise dos caules dessas samambaias gigantes, que ainda jazem quase inteiros no Monumento Natural das Árvores Petrificadas do Tocantins, e também de folhas que parecem rendas de pedra, foi tema do doutorado concluído em 2011 pela bióloga Tatiane Marinho Vieira Tavares, agora professora temporária na Universidade Federal do Tocantins, em Araguaína. Ela descreveu a anatomia e a morfologia desse material, que pertencia aos gêneros Psaronius e Tietea – este último também encontrado na bacia do Paraná, tema do mestrado da pesquisadora. Aparentemente, as samambaias conseguiram avançar do norte para o sul ao longo dos milhões de anos, à medida que o Gondwana, o supercontinente que abrigava boa parte dos continentes hoje no hemisfério Sul, se deslocava para o norte e se tornava mais quente.
052-055_florestas-petrificadas_210-1As folhas foram descritas como pertencentes a uma nova espécie por serem diferentes do que já se tinha visto, mas é impossível determinar com qual dos caules elas formavam uma planta viva. É que o conceito paleontológico de espécie é bem distinto daquele empregado na biologia, um foco de discussões infinitas entre especialistas. Como os paleontólogos em geral não têm como reunir as diferentes partes dos fósseis vegetais – raiz, caule, folhas etc. – no quebra-cabeça de uma mesma planta, é aceito que cada parte seja descrita como uma espécie diferente. No caso das samambaias fósseis do Tocantins, as folhas eram muito mais espessas do que as das atuais, conforme mostra artigo em fase de publicação na Review of Palaeobotany and Palynology. “Essa característica tem tudo a ver com as condições ambientais”, explica a bióloga, que foi orientada por Rosemarie. “A lâmina foliar espessa protege as estruturas reprodutivas e evita a perda excessiva de água num ambiente árido ou semiárido.” É surpreendente porque samambaias dependem de água pelo menos em algumas fases reprodutivas, e por isso são normalmente associadas a ambientes úmidos, mas o que permitia a subsistência dessas grandes árvores eram os cursos de água à margem dos quais elas cresciam.
Em meio às samambaias, mas não só, cresciam esfenófitas, hoje representadas apenas pelas cavalinhas e estudadas pelo ecólogo Rodrigo Neregato, que recentemente concluiu o doutorado com Rosemarie. Ele descreveu cinco espécies novas de Arthropitys e encontrou dois tipos distintos: um com uma medula bem grande, que sugere um hábitat próximo à água, e outro com um caule mais suculento, que devia conferir às plantas uma estrutura mecânica adequada para a vida em solo firme, um pouco mais afastado dos rios.
© RAFAEL FARIA/PUC-CAMPINAS
Caule petrificado de conífera...
Caule petrificado de conífera…
Novidade antiga
As análises revelaram plantas bastante diferentes do que dizem os livros, a começar pela capacidade inesperada de viver em solo seco. Elas também parecem maiores do que se acredita. “Temos exemplares de 3 metros que não compreendem a planta completa”, explica Neregato. Mas o que ele antecipa causar mais surpresa são as raízes verticais, em vez do rizoma horizontal postulado para esse grupo de plantas. “Temos um exemplar com raiz conectada ao tronco, o único até agora conhecido”, comemora. Ele acredita que o padrão vale para as outras esfenófitas da época, melhorando a absorção de água e a fixação no solo instável. “Era um peso bastante grande, uma estrutura em T invertido não seria capaz de sustentá-lo.”
Longe dos rios a paisagem era dominada por gimnospermas, semelhantes aos pinheiros atuais. Por causa dessa especialização ecológica, os fósseis petrificados dessas plantas são bem menos abundantes do que os de samambaias. A sílica dissolvida na água é a responsável por preservar as estruturas anatômicas em três dimensões. Quando a planta caída começa a se decompor, seus tecidos liberam gás carbônico que acidifica a água alcalina, precipitando a sílica que penetrou nas células vegetais. Mais longe dos rios, as coníferas tendiam a se decompor mais rapidamente e os fósseis são mais raros. Era por isso um grupo menos estudado, até que Rosemarie sugeriu à bióloga Francine Kurzawe, à época doutoranda no grupo de Roberto Iannuzzi na UFRGS, investigá-lo. “Na maior parte das vezes temos acesso apenas a fragmentos pequenos já muito rolados, com as camadas mais externas desgastadas”, conta Francine, atualmente pós-doutoranda na Universidade de Londres.
© FRANCINE KURZAWE/UNIVERSIDADE DE LONDRES
... e de samambaia: estrutura tridimensional é preciosa para paleobotânicos
… e de samambaia: estrutura tridimensional é preciosa para paleobotânicos
Em dois artigos publicados este mês na Review of Palaeobotany and Palynology, ela descreve uma série de novas espécies de coníferas, além de estruturas inusitadas. “A medula das gimnospermas fossilizadas tem canais que representam adaptação a um clima seco”, conta, corroborando as condições climáticas denunciadas pelas folhas das samambaias. Segundo ela, hoje esses canais só existem nas plantas jovens, que perdem a medula à medida que crescem. Os pinheiros adultos, com o tronco oco onde já houve medula, não têm esses canais especializados no armazenamento de água.
A flora estudada por Francine indica semelhanças entre a de Gondwana e a da Euramérica, atualmente a parte norte do planeta. “A região onde hoje fica o Tocantins estava no limite entre as duas regiões”, explica a bióloga. As gimnospermas dali parecem ter permanecido em latitudes caracterizadas por temperaturas mais amenas, sem migrarem ao sul. É o que indicam os fósseis, todos diferentes daqueles do Tocantins, encontrados em sete municípios no interior paulista e estudados pelo paleobotânico Rafael Faria durante o doutorado na Unicamp, orientado por Fresia Ricardi-Branco.
Faria, agora professor na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, estudou madeira petrificada – ou permineralizada, como preferem os especialistas – de plantas que viveram há cerca de 270 milhões de anos tanto ao microscópio tradicional como ao microscópio eletrônico de varredura, que lhe permitiu enxergar melhor as estruturas celulares. Ele defendeu o doutorado em abril, e a parte que descreve os fósseis mais bem preservados está em processo de publicação na Review of Palaeobotany and Palynology.
Uma surpresa foi identificar hifas de fungos em amostras que à primeira vista pareciam sujas. “É o primeiro registro de fungo fossilizado em madeira dessa época no Gondwana”, conta o pesquisador, que interpreta o achado como um indício de colapso do ecossistema. “É como se houvesse muita matéria orgânica para ser degradada, propiciando a proliferação dos fungos.”
Ecologia fóssil
O pesquisador de Campinas também descreveu um pouco da ecologia dessas plantas, a partir do estudo dos anéis de crescimento. Nas regiões temperadas as coníferas em geral produzem madeira com propriedades distintas conforme a estação: na primavera e no verão propicia o transporte de água para a copa (e portanto o crescimento), e no outono é mais centrada em sustentação. Ao comparar os anéis de crescimento dos fósseis aos das espécies atuais, é possível inferir se as coníferas do Permiano perdiam ou não as folhas no inverno. As análises indicaram uma comunidade com predomínio de árvores perenes, que não se desfolhavam, sobretudo na Formação Teresina, cujos fósseis afloram em Angatuba, Conchas e Laras. A outra formação estudada por ele, Irati (em Piracicaba, Saltinho, Rio Claro e Santa Rosa de Viterbo), está em camadas um pouco mais profundas – mais antigas –  e abrigava uma proporção maior de árvores decíduas, que perdiam as folhas no inverno. Para ele, essas observações corroboram dados anteriores indicando que, no Permiano, essa região do Brasil estava mais ao sul do que hoje.
© ROSEMARIE ROHN / UNESP
Fileiras paralelas de fragmentos de caules fossilizados, no Tocantins, indicam o traçado dos rios do Permiano
Fileiras paralelas de fragmentos de caules fossilizados, no Tocantins, indicam o traçado dos rios do Permiano
A ecologia permiana no atual Tocantins foi o tema de doutorado de Robson Capretz sob orientação de Rosemarie em Rio Claro. Ecólogo, ele estudou os fósseis e sua disposição em uma área da bacia do Parnaíba e buscou reconstituir como seria a floresta por ali. “Me concentrei na ecologia dos fósseis, e não na anatomia”, especificou, distinguindo sua pesquisa daquela conduzida por seus colegas. As principais conclusões, segundo ele, indicam que a região era muito plana e tinha um regime de chuvas semelhante ao das monções da Índia, com temporais muito fortes que periodicamente interrompiam períodos de seca e cobriam a região com uma lâmina de água razoavelmente espessa. A enxurrada derrubava os caules, que eram transportados por curtas distâncias e terminavam alinhados na mesma direção e soterrados na areia, como mostram resultados publicados este mês na revista Journal of South American Earth Sciences. “Não sabemos qual era a frequência dessas chuvas”, conta Capretz, “no resto do tempo era quase desértico”.
A disposição dos fósseis vegetais permite reconstruir as características dos rios – se eram caudalosos ou lentos, estreitos ou largos, retos ou sinuosos. A descrição resultante contraria um quadro traçado por estudos geológicos, de que a região seria caracterizada por dunas semelhantes às que hoje se espraiam nos Lençóis Maranhenses. “Mas não há samambaias nos Lençóis Maranhenses”, lembra Capretz, que adota a máxima de que o presente é a chave do passado. Assim, seus resultados ajudaram Tatiane a interpretar o que viu em suas folhas fossilizadas.
Essa dinâmica das águas também é responsável pela deposição de sílica nos troncos, petrificando as samambaias. “Se não fossem submersas e soterradas rapidamente por areia, elas se decomporiam”, explica o ecólogo. Essas condições especiais tornam Tocantins muito importante para estudos paleontológicos. “Não existem muitas áreas com vegetais petrificados no país, por isso há poucos estudos desse tipo”, conta Capretz.
Passado no presente
Rosemarie confirma que o clima é essencial para a boa preservação dos fósseis: quando a alternância de estações é muito marcada, aumenta a chance de ocorrer o tipo de fossilização encontrado no Tocantins, onde os troncos e folhas foram preservados em suas três dimensões. “Na bacia do Paraná os fósseis são bidimensionais”, lamenta, e isso dificulta a comparação entre as duas regiões.
Mas quem caminha com frequência e atenção pela terra seca do Monumento Natural das Árvores Petrificadas tem grandes chances de encontrar fósseis. Essa riqueza muitas vezes faz a alegria de quem vende fósseis, atividade proibida no Brasil. Por esse motivo, muito do trabalho sobre a flora fóssil brasileira foi feito na Alemanha, onde pesquisadores adquiriram material petrificado sem saber que a coleta havia sido irregular. Ao menos esse material hoje está disponível aos brasileiros por meio da colaboração de Francine e do grupo de Rosemarie com Robert Noll e Ronny Rößler, este último diretor do Museu de Chemnitz, onde estão fósseis que evidenciam a semelhança da flora permiana do Tocantins e da Alemanha.
Os pesquisadores envolvidos no estudo das florestas petrificadas alertam que não só os comerciantes de fósseis são uma ameaça à preservação dessa história. A proteção excessiva, que impede acesso até mesmo aos especialistas, é sentida por eles como um entrave ao avanço do conhecimento. “Para estudar as gimnospermas é preciso coletar material e preparar lâminas para exame ao microscópio”, exemplifica Rosemarie, “é impossível identificar qualquer coisa a olho nu”. Rafael Faria, cuja área de estudo está fora de áreas de preservação, aposta na divulgação de seu trabalho para obter mais material. Já lhe aconteceu de receber ligações de fazendeiros do interior paulista oferecendo fragmentos de “pau-pedra” encontrados no chão.
Artigos científicos
CAPRETZ, R. L. & ROHN, R. Lower Permian stems as fluvial paleocurrent indicators of the Parnaíba Basin, northern Brazil. Journal of South American Earth Sciences. v. 45, p. 69-82. ago. 2013.
KURZAWE, F. et al. New gymnospermous woods from the Permian of the Parnaíba Basin, Northeastern Brazil, Part I: Ductoabietoxylon, Scleroabietoxylon and Parnaiboxylon. Review of Palaeobotany and Palynology. v. 195, n. 1, p. 37-49. 16 ago. 2013.
KURZAWE, F. et al. New gymnospermous woods from the Permian of the Parnaíba Basin, Northeastern Brazil, Part II: Damudoxylon, Kaokoxylon and Taeniopitys. Review of Palaeobotany and Palynology. v. 195, n. 1, p. 50-64. 16 ago. 2013.

Fauna do Pré-Cambriano.

A vida protegida por armaduras

Norte do Paraguai pode abrigar a maior diversidade de fósseis dos primeiros animais com esqueleto
Nos arredores de Puerto Vallemí, um povoado com 9 mil moradores no norte do Paraguai, está instalada a única empresa produtora de cimento do país. Ali, a poucos quilômetros da cidade, a Indústria Nacional del Cemento escava há décadas um paredão rochoso de 640 metros de altura do qual sai boa parte do calcário usado na construção civil paraguaia e a poeira branca que cobre a cidade nos dias de vento forte. Vasculhando as escavações da mineradora e cavoucando barrancos nas estradas da região, o geólogo brasileiro Lucas Warren encontrou recentemente o que chama de “mina de ouro da paleontologia”.
As rochas que trouxe de lá e hoje ocupam uma grande mesa de sua sala no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) estão incrustadas com pequenas estruturas alongadas – elas têm, em média, 1 centímetro de comprimento – que lembram minhocas aprisionadas em um bloco de lama endurecido pelo sol. Mas são algo muito mais raro, encontrado em pouquíssimas regiões do mundo. São fósseis do que provavelmente foram os primeiros seres vivos com esqueleto que surgiram no planeta.
Especialista em sedimentologia e paleontologia, Lucas estima a idade dos fósseis em 550 milhões de anos, a mesma das rochas de Puerto Vallemí. O geólogo Eric Tohver, pesquisador da University of Western Australia que colabora com a equipe da USP, tenta atualmente datar as rochas contendo os fósseis por técnicas mais precisas. Se a idade for confirmada, esses fósseis estarão entre os mais antigos de animais com esqueleto biomineralizado, ao lado dos achados na Namíbia, sudoeste da África, que viveram há 549 milhões de anos – fósseis encontrados mais recentemente na China sugerem que esse tipo de animal possa ter existido até mesmo antes, mas a identificação deles ainda é incerta.
São poucas, cinco ou seis, as espécies conhecidas dos primeiros seres visíveis a olho nu que produziam esqueleto. E, segundo os registros fósseis, elas existiram por pouco tempo, de 550 milhões a 542 milhões de anos de atrás. Em Puerto Vallemí, Lucas e o geólogo paraguaio Alberto Cáceres encontraram exemplares de duas espécies já conhecidas e ao menos mais uma ainda não descrita pela ciência. Também identificaram vestígios de seres vivos de corpo mole que viveram na mesma época e deixaram marcas semelhantes a rastros impressas nas rochas.
Pode parecer pouco, mas não é. Encontrar registros de duas ou mais dessas espécies vivendo no mesmo período e na mesma região é muito incomum. Antes de Vallemí, essa convivência havia sido observada na Namíbia, no Canadá, no Brasil, na China, em Omã e na Rússia. “A qualidade dos fósseis encontrados no Paraguai e a variedade de espécies tornam essa coleção uma das mais completas e representativas da fauna daquele período”, comenta o paleontólogo Thomas Fairchild, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, que, com Lucas, Mírian Pacheco, Claudio Riccomini, Marcelo Simões e outros colaboradores, descreveu os fósseis de Puerto Vallemí.
Lucas encontrou esses fósseis em uma área delimitada a oeste pelo rio Paraguai e a norte pelo rio Apa, na fronteira com Mato Grosso do Sul, onde os geólogos Paulo Boggiani e Claudio Gaucher já haviam achado um fóssil de um desses animais. Muitas das amostras coletadas por Lucas – algumas ocupam duas mãos abertas – têm centenas de esqueletos fossilizados, aprisionados em uma camada de quase 1 centímetro de espessura.
Ele não buscava fósseis quando chegou à região. 
Nas primeiras expedições em 2006, no início do doutorado sob a orientação de Boggiani, Lucas planejava mapear a evolução da bacia sedimentar da região que se estende por Mato Grosso do Sul, Bolívia, norte da Argentina e parte do Chile. As rochas de lá indicavam que essa região havia sido ocupada pelo mar. Há 550 milhões de anos, os continentes tinham uma conformação bem diferente da atual. O imenso bloco continental sobre o qual se assentam a Amazônia e o Paraguai estava isolado do restante da América do Sul, numa posição mais austral. Esse trecho do  continente sul-americano formava um mar raso, de águas límpidas e hipersalinas.
Foi nesse cenário que os seres com esqueleto de Puerto Vallemí provavelmente viveram. A forma como estão preservados nas rochas indica que viviam ancorados nos sedimentos do fundo, uma esteira esverdeada de cianobactérias que, ao fazer fotossíntese, retiravam gás carbônico da água e o transformavam em carbonato de cálcio.
A maior parte dos fósseis dessa região pertence a animais de dois gêneros: Corumbella e Cloudina. Os primeiros foram descritos em 1982 pela equipe do geólogo alemão Detlef Walde, da Universidade de Brasília. Rochas coletadas na região de Corumbá, Mato Grosso do Sul, continham fósseis de esqueletos com a forma de uma pirâmide invertida. Os maiores exemplares dessa espécie, denominada Corumbella werneri, alcançavam 10 centímetros de comprimento – no Paraguai eles chegam a 5. Apesar de a espécie ter sido identificada há três décadas, a composição do seu esqueleto ainda não é bem conhecida. Analisando exemplares de Corumbella, a paleobióloga Mírian Pacheco e Juliana Basso, do IGc, constataram recentemente que o esqueleto desses fósseis tem uma concentração importante de material orgânico – possivelmente à base de quitina, o polissacarídeo do esqueleto dos insetos.
Lucas, Mírian e Fairchild também encontraram poros e papilas microscópicas no esqueleto desses animais. Descritas em artigo publicado em agosto deste ano na Geology, essas características indicam que o esqueleto foi produzido por um cnidário, o grupo ao qual pertencem medusas, anêmonas e águas-vivas. São animais com corpo mole bastante simples – basicamente uma cavidade digestiva e uma oral, em alguns casos  rodeada por tentáculos com células urticantes.
© LUCAS WARREN/IGC-USP
Trombólito coletado em Vallemí
Até onde se sabe, a distribuição de Corumbella é restrita. Além de Corumbá e de Puerto Vallemí, exemplares desse gênero só foram encontrados na Califórnia. Já os animais do gênero Cloudina eram mais cosmopolitas. Os primeiros exemplares, que teriam vivido há 549 milhões de anos, foram identificados em 1972 na Namíbia. Posteriormente sua presença foi confirmada em quase uma dúzia de países, e  agora no Paraguai.
Menores, os fósseis de Cloudina não passam de 3 centímetros. Seu esqueleto lembra casquinhas de sorvete ou copos de café empilhados. É composto por camadas de carbonato de cálcio, depositadas à medida que o animal que habitava seu interior crescia. Mais rígido e de origem exclusivamente mineral, o que facilita a fossilização, esse esqueleto parece ter garantido mobilidade o suficiente para o animal – de corpo mais complexo, provavelmente um anelídeo, grupo a que pertencem as minhocas e os poliquetas (vermes marinhos) atuais – serpentear ao sabor das ondas.
Não se sabe ao certo por que a capacidade de produzir esqueleto surgiu no reino animal, provavelmente mais de uma vez, mas três hipóteses tentam explicar. Uma delas sugere que a capacidade de produzir esqueleto mineral seria uma forma de eliminar do organismo níveis elevados do carbonato de cálcio extraído da água do mar. Ou seja, seria um mecanismo de desintoxicação. Há também quem pense que o esqueleto, uma vez surgido ao acaso, teria representado uma vantagem adaptativa por dar a sustentação necessária para esses animais alcançarem alimentos disponíveis acima da camada de sedimentos. “Estar 1 centímetro acima do fundo pode ter permitido explorar uma região sem competidores”, diz Lucas.
Projetos
1. Isótopos Estáveis (C, O e Sr) do Grupo Itapucumi e correlações com o Grupo Corumbá (Ediacarano) – nº 2010/02677-0
2. Tectônica e sedimentação do Grupo Itapucumi no contexto das plataformas carbonáticas ediacaranas: abordagem geoquímica, geocronológica, paleomagnética e bioestratigráfica – nº 2010/19584-4
Modalidade
1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa
2. Pós-doutorado no país
Coordenadores
1. Paulo Cesar Boggiani – IGc/USP
2. Lucas Verissimo Warren – IGc/USP
Investimento
1. R$ 88.107,25 (FAPESP)
2. R$ 150.870,57 (FAPESP)
Mas ele, Fairchild e os outros pesquisadores do IGc apostam numa terceira possibilidade: o esqueleto, surgido ao acaso, funcionaria como uma armadura que aumenta a chance de sobreviver ao ataque de predadores. A razão que os leva a acreditar nessa hipótese é a coexistência de seres com estratégias distintas de produção de esqueleto – os exemplares de Cloudina, que extraem a matéria-prima da água, e os de Corumbella, que sintetizam em grande parte a partir de compostos orgânicos.
A predação, aliás, era uma forma de interação completamente nova. A vida surgiu na Terra há 3,5 bilhões de anos. Os primeiros seres vivos, as bactérias, tinham apenas uma célula, uma espécie de bolsa minúscula contendo material genético e proteínas. E pelos 3 bilhões de anos seguintes pouca coisa mudou. Alguns seres unicelulares passaram a viver em colônias, em que cada grupo de células executava funções diferentes. Mas, juntas, não formavam um organismo. Só entre 580 milhões e 560 milhões de anos atrás é que começaram a aparecer os primeiros organismos multicelulares, de corpo gelatinoso organizado em tecidos e formas incomuns (disco ou pena), conhecidos como biota de Ediacara.
Foi nessa época que apareceram os primeiros seres vivos capazes de se deslocar sobre os sedimentos no fundo dos mares”, conta Fairchild. Até então eles viviam fixos e fabricavam o próprio alimento usando a luz solar e os nutrientes disponíveis no ambiente. “Antes do surgimento do esqueleto, a vida era paz e amor”, brinca.
Seja qual for a razão da origem do esqueleto, o fato é que essa estrutura parece ter influenciado radicalmente a vida no planeta. Assim que os primeiros seres com armadura desapareceram, há 542 milhões de anos, floresceu uma imensa variedade de seres vivos com corpos cada vez mais complexos, precursores de todos os organismos que vivem hoje. Essa mudança é a chamada explosão de vida do Cambriano. “Quem quiser entender melhor o que aconteceu nessa fase de transformação da vida no planeta”, diz Lucas, “não vai poder ignorar os fósseis de Vallemí”.
Artigos científicos
WARREN, L.V. et al. The dawn of animal skeletogenesis: Ultrastructural analysis of the Ediacaran metazoan Corumbella werneri. Geology. v. 40. p. 691-94. ago. 2012.
WARREN, L.V. et al. Corumbella and in situ Cloudina in association with thrombolites in the Ediacaran Itapucumi Group, Paraguay. Terra Nova. v. 23 (6), p. 382-89. dec. 2011.