quarta-feira, 5 de março de 2014
Nebulosa Cabeça de Cavalo
A nebulosa Cabeça de Cavalo é uma das imagens mais famosas feitas pelo
telescópio Hubble. Esta visão recente a mostra em comprimentos de onda
infravermelhos.
Explosão solar (Foto de 2013)
Entre 12 e 14 de maio de 2013, o sol liberou quatro intensas explosões de
radiação. Estas explosões foram do tipo mais intenso conhecido. A imagem
foi feita pelo Solar Dynamics Observatory, da NASA.
O que são alimentos geneticamente modificados? É seguro comê-los?
Provavelmente você come alimentos geneticamente modificados com
frequência e nem saiba disso. O advento da produção de organismos
geneticamente modificados trouxe discursos sobre como esses alimentos
poderiam reduzir os índices de pobreza e acabar com a fome no mundo.
Duas décadas depois, os transgênicos ainda dividem a opinião pública e
geram desconfiança.
Os principais questionamentos dos céticos são sobre as implicações
éticas, econômicas, sociais, políticas e de saúde pública. Muita gente
teme possíveis efeitos negativos para os seres humanos e para o
meio-ambiente a longo prazo com a manipulação genética da natureza, já
que o produção de alimentos transgênicos em larga escala é relativamente
recente.
Será que podemos ficar tranquilos ao ingerir alimentos geneticamente
modificados? De acordo com a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde
(OMS), sim.
As organizações são unânimes em afirmar que os transgênicos são
seguros. Elas defendem que a tecnologia de manipulação genética
realizada sob o controle dos protocolos de segurança não representa
maior risco do que as técnicas agrícolas convencionais de cruzamento de
plantas.
A história dos alimentos geneticamente modificados
Mas afinal, o que são alimentos geneticamente modificados? Por que eles começaram a ser produzidos?
Organismos geneticamente modificados (OGM) são manipulados geneticamente para favorecer características desejadas, como a cor
ou o tamanho de uma espiga de milho. Os mais famosos OGM são os
transgênicos, ou seja, os organismos que recebem parte do DNA de outro
organismo. Também é possível alterar um gene sem DNA externo.
Apesar da produção em larga escala dos OGM ser recente, a história da
manipulação genética das plantas tem pelo menos 10 mil anos, quando os
seres humanos começaram a escolher os melhores grãos de cereais para
plantar, os que produziam quantidades maiores e cresciam mais
rapidamente, excluindo sementes com genética desfavorável à agricultura e
cruzando as melhores plantas.
Mas, mesmo que as pessoas saibam domesticar as colheitas há milhares
de anos, não quer dizer que elas entendiam porque tudo acontecia. Só no
século 19, com a experiência de Gregor Mendel com ervilhas, a ciência
genética moderna surgiu. E foi apenas na década de 1970 que os
cientistas Herbert Boyer e Stanley Cohen foram capazes de afetar
diretamente a expressão do genoma de uma planta. Essa intervenção
direta, conhecida como engenharia genética, envolve mutação, exclusão ou adição de material genético para alcançar o efeito desejado.
A capacidade de suportar pragas é apenas uma das características
positivas que foram alcançadas com a modificação transgênica. Desde a
primeira safra de OGM plantada em 1994, cientistas e empresas agrícolas
conseguiram criar culturas resistentes a doenças, com melhores valores nutricionais, com validade mais longa e até produzir produtos farmacêuticos.
Atualmente, 85% das lavouras de milho do Brasil e dos Estados Unidos
são variedades transgênicas. A soja brasileira – consumida pela
população no óleo de cozinha, leite de soja, tofu, bebidas e outros
produtos – é transgênica, na maior parte. Quase um terço das imensas
plantações de soja no país são variedades geneticamente modificadas. Em
2001, a Empresa Brasileira para Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ligada
ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, conseguiu
aprovação para o cultivo comercial de uma variedade geneticamente
modificada do feijão. As sementes devem ser distribuídas aos produtores
brasileiros ainda em 2014. Assim, o prato do brasileiro recebe cada vez
mais alimentos modificados geneticamente.
Riscos
Todos os dias, os seres humanos consomem entre 0,1 e 1 grama de DNA
em sua dieta. Portanto, os transgenes de plantas geneticamente
modificadas não são um material novo para os sistemas digestivos, além
de estarem presentes em quantidades ínfimas. No milho transgênico, os
transgenes representam cerca de 0,0001% do DNA total.
Décadas de pesquisa indicam que o DNA não tem toxidade direta na
alimentação. Pelo contrário, uma pesquisa de 1999 mostrou que
nucleotídeos exógenos desempenham papeis importantes do intestino e
sistema imunológico.
Apesar da enorme desconfiança da população europeia com alimentos
geneticamente modificados, a União Europeia, como parte da iniciativa
Europa 2020, gastou uma década (e centenas de milhões de euros)
investigando a segurança e a eficiência dos OGM, e descobriu que eles
não representam riscos à saúde dos cidadãos.
O maior perigo dos OGM é que uma nova cultura em ascensão leve
agricultores a produzirem apenas a nova variedade de um alimento, e
cultivá-la em excesso. Assim, se surgir uma praga inesperada da qual a
planta não esteja protegida, ela poderia ser devastada e até mesmo
entrar em extinção. Os efeitos econômicos seriam devastadores.
Outra questão é que as corporações agrícolas que desenvolvem os OGM
viram proprietárias das sementes. Isso pode levar a um potencial abuso
ou manipulações forçadas que obriguem os agricultores a comprar sementes
apenas de uma empresa, e seus respectivos agrotóxicos.
Tudo indica que os alimentos geneticamente modificados não são uma
ameaça, apenas mais uma ferramenta que deve ser utilizada de forma
inteligente. Assim como a tecnologia nuclear tem sido utilizada para
destruir cidades ou produzir energia, a modificação genética pode ser
valiosa – ou negativa – para a sociedade, dependendo do modo como a
utilizarmos. [GizModo/Wikipedia/Terra]
Uso de paracetamol na gravidez x déficit de atenção e hiperatividade nos filhos.
Tá explicado!
Uso de paracetamol na gravidez pode levar a déficit de atenção e hiperatividade nos filhos
Paracetamol (ou acetaminofeno), encontrado em diversos remédios como
Excedrin e Tylenol, fornece alívio para dores de cabeça e dores
musculares. Quando usado adequadamente, é considerado na sua maioria
inofensivo. Nas últimas décadas, a droga tornou-se o medicamento mais comumente usado por mulheres grávidas para febres e dores.
Agora, um estudo de longo prazo feito pela Universidade da Califórnia
em Los Anegeles (EUA), em colaboração com a Universidade de Aarhus, na
Dinamarca, tem levantado preocupações sobre o uso do paracetamol durante
a gravidez.
O estudo mostrou que tomar a droga durante a gravidez está associado a
um risco maior de crianças com transtorno hiperquinético ou
hipercinético, uma forma particularmente grave do transtorno de déficit
de atenção com hiperatividade (TDAH).
TDAH, um dos transtornos neurocomportamentais mais comuns em todo o
mundo, é caracterizado por desatenção, hiperatividade, aumento da
impulsividade e desregulação motivacional e emocional.
“As causas do TDAH e transtorno hipercinético não são bem compreendidas, mas ambos fatores ambientais e genéticos contribuem claramente”,
disse Beate Ritz, uma das autores sêniores do estudo. “Sabemos que tem
havido um rápido aumento em distúrbios neurológicos, incluindo TDAH, ao
longo das últimas décadas, e é provável que o aumento não seja apenas
atribuído a melhores diagnósticos ou sensibilização dos pais. É provável que existam componentes ambientais também”.
Por conta disso, os pesquisadores resolveram procurar causas
ambientais evitáveis que poderiam desempenhar um papel na doença. Parte
da neuropatologia pode já estar presente no momento do nascimento,
fazendo com que a exposição durante a gravidez e/ou infância fosse de
interesse particular. Como o paracetamol é o medicamento mais comumente
usado para dor e febre durante a gravidez, os cientistas focaram nele.
O estudo
Os pesquisadores usaram um estudo nacional dinamarquês sobre
gestações que incide especialmente sobre os efeitos colaterais dos
medicamentos e infecções. Eles estudaram 64.322 crianças e mães com
dados de 1996 a 2002. O uso do paracetamol durante a gravidez foi
determinado por meio de entrevistas telefônicas realizadas até três
vezes durante a gravidez, e seis meses após o parto.
Os pesquisadores acompanharam os pais até quando seus filhos
atingiram a idade de 7 anos, perguntando sobre os problemas
comportamentais das crianças através de um questionário padrão que
avalia cinco domínios, incluindo sintomas emocionais, problemas de
conduta, hiperatividade, relações entre pares e comportamento social.
Além disso, obtiveram diagnósticos de transtorno hipercinético entre
as crianças do estudo a partir de registros de hospitais dinamarqueses.
Mais da metade de todas as mães relataram o uso de paracetamol
durante a gravidez. Os pesquisadores descobriram que as crianças cujas
mães usaram a droga tinham um risco 13 a 37% maior de receber um
diagnóstico hospitalar de distúrbio hipercinético, ser tratado com
medicamentos de TDAH ou apresentar comportamentos de TDAH aos 7 anos.
Quanto mais tempo o paracetamol foi tomado – ou seja, nos segundo e
terceiro trimestres de gravidez -, mais fortes foram as associações. Os
riscos foram elevados para 50% ou mais quando as mães tinham usado o
analgésico comum por mais de 20 semanas na gravidez.
Conclusão
“Sabe-se a partir de dados obtidos em estudos com animais que o
paracetamol é um disruptor hormonal, e exposições hormonais anormais na
gravidez podem influenciar o desenvolvimento cerebral do feto”, disse
Ritz.
Paracetamol pode atravessar a barreira placentária, por isso é
plausível que a droga possa interromper o desenvolvimento do cérebro
fetal, interferindo com hormônios maternos ou através de
neurotoxicidade, como a indução de estresse oxidativo, que pode causar a
morte de neurônios.
“Precisamos de mais pesquisas para verificar estes resultados, mas se
eles se mostrarem verdadeiros, então o paracetamol não deve mais ser
considerado uma droga segura para o uso durante a gravidez”, disse o Dr.
Jørn Olsen, outro autor sênior do estudo. [ScienceDaily]
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
Pulmões funcionais.
Pulmões são órgãos notoriamente delicados, o que faz com que doadores utilizáveis sejam difíceis de se conseguir.
No entanto, pesquisadores da Universidade do Texas (EUA) estão
chegando mais perto de enfrentar a escassez de pulmões, criando-os em
laboratório.
Os cientistas usaram pulmões danificados de duas crianças que
morreram em acidentes de carro. Com engenharia de tecidos, arrancaram
todas as células dos pulmões e deixaram para trás apenas sua “forma”, a
intrincada teia de proteínas que mantém as células no lugar.
Em seguida, revestiram esta estrutura com células pulmonares viáveis
de um segundo par de pulmões, não adequados para transplante.
Finalmente, os cientistas colocaram os órgãos resultantes em um banho de
nutrientes durante quatro semanas, para permitir que as células
crescessem e recriassem totalmente o tecido pulmonar.
Os novos pulmões eram idênticos em aparência ao órgão real, apenas
mais suaves e menos densos. Eles não chegaram a ser transplantados, mas a
tecnologia poderia um dia ajudar a encurtar a lista de pessoas à espera
de doadores.
Outras pesquisas já tentaram fazer o mesmo – criar pulmões em
laboratório -, mas retirar todas as células de um órgão era uma tarefa
que podia levar até quatro meses para ser concluída.
O estudo recente introduziu um dispositivo que acelerou esse processo
a até três dias. Os pulmões resultantes são brancos, por causa da falta
de fluxo de sangue no novo órgão.
E quando é que esses pulmões renovados vão salvar a primeira vida humana?
Vai demorar. Embora a equipe tenha sido bem sucedida neste primeiro
passo, precisa de pelo menos 10 anos de avaliações para assegurar que
pessoas possam receber o órgão artificialmente criado.
A boa notícia é que os pesquisadores já planejam começar a testar os
pulmões cultivados em laboratório em suínos no próximo ano. [DiscoverMagazine]
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
Ler preserva a memória.
Atividades que exercitam o cérebro, como ler, diminuem até 15% perda de memória.
Cultivar o hábito de ler e escrever regularmente pode contribuir para
preservar a memória por mais tempo. Estudo feito por pesquisadores do
Centro Médico da Universidade Rush, de Chicago, com 294 idosos indica
que se dedicar a esse tipo de atividade reduz a velocidade do processo
de deterioração mental (Neurology, 3 de julho). Essas práticas
saudáveis podem diminuir até 15% o ritmo de progressão da perda da
memória. ”Nosso estudo mostra que adotar atividades que estimulam o
cérebro ao longo da vida, desde a infância até a idade avançada, é
importante para manter a saúde mental na velhice”, diz Robert S. Wilson,
principal autor do trabalho. Não abandonar esse estilo de vida com o
passar dos anos também se mostrou importante. O declínio cerebral entre
os idosos que liam ou escreviam com frequência ainda na velhice ocorreu
em um ritmo 32% mais lento do que entre os que faziam isso com uma
constância menor. Os velhos que quase nunca se dedicavam a essas
atividades apresentaram uma velocidade de deterioração mental 48% maior
do que os que liam e escreviam esporadicamente. Os pesquisadores
acompanharam os participantes do estudo durante cerca de seis anos, até o
momento de sua morte, em média aos 89 anos. Anualmente, submeteram os
idosos a testes de memória e cognição e os entrevistaram sobre seus
hábitos de leitura ao longo da vida. Fizeram ainda uma autópsia no
cérebro dos velhos para determinar a incidência de lesões e placas
associadas a demências.
Mentes persistentes.
Pesquisadores querem entender o que faz o cérebro de algumas pessoas resistir aos efeitos do mal de Alzheimer
Os
cérebros de quatro senhoras com idades entre 80 e 82 anos que morreram
recentemente em São Paulo contam um pouco mais sobre a complexidade do
mal de Alzheimer. Amostras desses cérebros, doados ao banco de encéfalos
da Universidade de São Paulo (USP), foram analisadas ao microscópio e
revelaram o amontoado de placas e emaranhados de proteínas que são a
marca típica dos estágios avançados do Alzheimer. Era de esperar,
portanto, que essas mulheres tivessem sofrido na última década de vida
sérios problemas de perda de memória e de cognição, como dificuldade de
se expressar e de perceber o espaço a sua volta. Entrevistas com
familiares e cuidadores das idosas, porém, provaram que elas viveram
lúcidas até o fim.
“Ninguém entende exatamente por que essas pessoas não desenvolveram
demência”, admite o neuroanatomista Carlos Humberto Andrade-Moraes, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu doutorado, feito sob a
supervisão do neurocientista Roberto Lent, da mesma universidade, é o
primeiro no mundo a analisar o número total de células do cérebro de
idosos conhecidos como doentes de Alzheimer assintomáticos. O estudo,
publicado com outros pesquisadores da UFRJ e da USP em dezembro na Brain,
concluiu que o número de neurônios dos assintomáticos é praticamente
igual ao de idosos saudáveis, diferentemente do que se vê no cérebro de
pessoas com Alzheimer que desenvolvem demência, a perda de memória e da
capacidade cognitiva. Na demência há uma redução drástica de neurônios
no hipocampo e no córtex, as regiões cerebrais responsáveis pela
consolidação da memória e pelo raciocínio.
Em média, uma em cada 10 pessoas com mais de 65 anos apresenta os
sinais clínicos do Alzheimer. A doença se manifesta primeiro com
pequenos deslizes de memória, que com o tempo ficam mais frequentes,
seguidos de falhas no julgamento moral, na percepção do espaço e do
tempo e do aumento na dificuldade de se comunicar. A sobrevida média é
de oito anos, ao longo dos quais os sintomas se agravam até a
incapacitação total.
Há algum tempo se sabe que a demência é provocada pela destruição das
sinapses, os trilhões de conexões entre os 86 bilhões de neurônios, as
células cerebrais que armazenam e transmitem informações, das quais
emergem as memórias e os pensamentos. Um neurônio saudável recebe até 10
mil sinapses de outros neurônios, trocando sinais elétricos e
substâncias que o mantêm vivo. Impedidos de manter as sinapses no
Alzheimer, os neurônios atrofiam e morrem. Como consequência, o volume
do hipocampo e a espessura do córtex diminuem, o que pode ser visto em
imagens de ressonância magnética. Segundo o neurologista Márcio
Balthazar, que atende pessoas com Alzheimer no Hospital das Clínicas da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as neuroimagens podem
ajudar no diagnóstico da doença, mas ainda não substituem os testes
laboratoriais, clínicos e psicológicos.
Em parceria com o neurologista Fernando Cendes, da Unicamp, Balthazar
e seus colaboradores vêm apostando no aperfeiçoamento de uma nova forma
de identificar o Alzheimer precocemente: o uso de neuroimagens para
avaliar a atividade cerebral, e não apenas a anatomia. A ideia é
observar em imagens de ressonância magnética funcional a atividade do
cérebro quando os pacientes estão relaxados, sem pensar em nada. “Mesmo
com a pessoa em repouso, vemos que algumas áreas do cérebro são ativadas
simultaneamente, pulsando em uma mesma frequência, o que sugere que
sejam grupos de neurônios se comunicando”, explica Balthazar. “Uma
pessoa com Alzheimer tem essa rede menos conectada.”
Em artigo publicado em novembro na Psychiatric Research: Neuroimaging,
o grupo da Unicamp conseguiu distinguir com cerca de 70% de acerto as
neuroimagens da atividade cerebral em repouso de pessoas com sintomas
moderados de demência daquelas de idosos saudáveis. Os pesquisadores
observaram ainda uma relação entre as falhas de conexão da rede e o grau
de perda de memória.
Quanto mais cedo melhor
“Esperamos aperfeiçoar o método para realizar o diagnóstico cada vez mais precocemente”, conta Balthazar. Apesar de o Alzheimer permanecer sem cura, quanto antes o diagnóstico for feito mais eficazes são as intervenções que aliviam os sintomas: o uso de inibidores de acetilcolinesterase e a realização de terapia ocupacional, reabilitação psicológica e atividade física, além do planejamento da família para o futuro.
“Esperamos aperfeiçoar o método para realizar o diagnóstico cada vez mais precocemente”, conta Balthazar. Apesar de o Alzheimer permanecer sem cura, quanto antes o diagnóstico for feito mais eficazes são as intervenções que aliviam os sintomas: o uso de inibidores de acetilcolinesterase e a realização de terapia ocupacional, reabilitação psicológica e atividade física, além do planejamento da família para o futuro.
Como a demência senil pode ter outras causas – problemas vasculares e
outras doenças degenerativas –, o diagnóstico do Alzheimer em geral só é
confirmado após a morte. A autópsia do tecido cerebral revela um
excesso das chamadas placas neuríticas, ancoradas em ramificações dos
neurônios, e dos emaranhados neurofibrilares, no interior dos neurônios
atrofiados. Esses sinais são encontrados especialmente no hipocampo e no
córtex cerebral. Até alguns anos atrás, a maioria dos pesquisadores
acreditava que as placas neuríticas eram as responsáveis pelas
disfunções sinápticas. Mas estudos recentes feitos pela equipe da
neurocientista Fernanda De Felice e do bioquímico Sergio Teixeira
Ferreira, ambos da UFRJ, vêm demonstrando que as placas, apesar de
tóxicas, não são a causa principal da eliminação das sinapses e da morte
dos neurônios (ver Pesquisa FAPESP n. 157).
De fato, as placas são formadas pelo acúmulo de pequenas moléculas de
beta-amiloide. Normalmente produzida pelo cérebro, essa proteína sofre
deformações no Alzheimer. Muitos pesquisadores, porém, hoje acreditam
que são amontoados bem menores de beta-amiloide – os oligômeros, capazes
de se difundir para dentro e para fora dos neurônios – os responsáveis
por interferir nas sinapses. Outras pesquisas sugerem que esses
oligômeros também formam os emaranhados neurofibrilares, que impedem o
transporte de substâncias dentro dos neurônios e contribuem para a sua
morte. Segundo esse raciocínio, a formação das placas seria uma
tentativa do organismo de varrer os oligômeros para fora das células e
para longe das sinapses. “As placas seriam protetoras e não causadoras
da demência”, diz Andrade-Moraes.
A descoberta dos doentes de Alzheimer assintomáticos reforçou essa
hipótese. As primeiras descrições desses casos surgiram em estudos que
acompanharam centenas de idosos nos Estados Unidos. A comparação dos
exames clínicos a que essas pessoas eram submetidas periodicamente com a
análise de seus cérebros após a morte revelou que de 25% a 40% dos
casos diagnosticados histologicamente como sendo Alzheimer não haviam
desenvolvido demência. “Embora permaneça duvidoso se esses indivíduos
continuariam clinicamente normais se tivessem vivido mais tempo, eles
parecem ter sido capazes de compensar ou atrasar o aparecimento dos
sintomas de demência”, escreveu em 2012 o neuropatologista Juan
Troncoso, da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, um dos
primeiros a chamar a atenção para os pacientes assintomáticos.
Segundo Andrade-Moraes, antes do estudo publicado na Brain
nenhum trabalho sobre o impacto do Alzheimer no número de células do
cérebro havia comparado indivíduos com e sem demência. “Queríamos saber
se os assintomáticos teriam alguma alteração na composição das células
cerebrais”, ele diz.
A pesquisa foi feita em parceria com a equipe da neuropatologista Lea
Grinberg, coordenadora do Banco de Encéfalos Humanos da USP, que, além
de analisar os cérebros de idosos mortos em São Paulo, investiga, por
meio de questionários com familiares e cuidadores, como era o desempenho
cognitivo dessas pessoas até 10 anos antes de sua morte.
Os pesquisadores da USP e da UFRJ selecionaram 14 cérebros de
mulheres que morreram entre os 71 e os 88 anos (a prevalência do
Alzheimer é um pouco maior entre as mulheres). Cinco tinham um nível de
placas considerado normal para a idade, enquanto as demais apresentavam o
excesso característico do Alzheimer. Dessas últimas, cinco apresentavam
sinais de demência e quatro eram assintomáticas.
Menos neurônios, mais glia
Os cérebros foram processados na UFRJ em uma máquina, o fracionador isotrópico automático, construído pela equipe de Lent (ver Pesquisa FAPESP nº 192). A máquina transforma porções de cérebro em uma suspensão homogênea, contendo o núcleo das células. Anticorpos coloridos que se ligam ao núcleo dos neurônios permitem distingui-los das demais células do cérebro, as células da glia.
Os cérebros foram processados na UFRJ em uma máquina, o fracionador isotrópico automático, construído pela equipe de Lent (ver Pesquisa FAPESP nº 192). A máquina transforma porções de cérebro em uma suspensão homogênea, contendo o núcleo das células. Anticorpos coloridos que se ligam ao núcleo dos neurônios permitem distingui-los das demais células do cérebro, as células da glia.
Como esperado, o hipocampo das mulheres com demência tinha metade do
número de neurônios encontrado no hipocampo das saudáveis e das
assintomáticas – aquelas com demência também tinham menos neurônios no
córtex todo. Ao mesmo tempo, o cérebro das pessoas com demência tinha
uma proporção maior de células da glia. “Essas células aumentam de
número para proteger os neurônios, mas com o progresso da doença
provocam uma inflamação que piora os sintomas de demência”, explica
Andrade-Moraes. Ele, porém, não encontrou diferença significativa -– no
número de neurônios e de células da glia – entre o cérebro de idosos
saudáveis e o de idosos com Alzheimer assintomáticos.
“Os assintomáticos devem possuir algum mecanismo fisiológico
desconhecido que protege suas redes de neurônios dos efeitos dos
oligômeros”, suspeita. “Algo afasta os oligômeros das sinapses,
agregando-os rapidamente em placas.”
Para ele, um candidato a explicar esse mecanismo é a atuação mais
eficiente da insulina no cérebro dos assintomáticos. Diferentemente do
que ocorre em outros órgãos, o papel da insulina no cérebro parece não
ser o controle do metabolismo de açúcar, mas a consolidação da memória e
a formação de novas sinapses. Experimentos in vitro e com
animais feitos por Fernanda De Felice e Sérgio Ferreira vêm demonstrando
que a insulina protege os neurônios da ação dos oligômeros. Em artigo
publicado em dezembro na Cell Metabolism, eles apresentaram novos
mecanismos neuronais que provocam a perda de sinapses em camundongos e
macacos com sinais semelhantes aos de Alzheimer. Parte do doutorado de
Mychael Lourenço, esse trabalho mostrou ainda que um remédio usado para
tratar diabetes tipo 2, a liraglutida, bloqueou os danos neuronais em
modelos animais de Alzheimer. Atualmente uma equipe do Imperial College
de Londres testa a liraglutida em 200 pessoas com Alzheimer.
Outra hipótese é que os assintomáticos possuem uma maior reserva
cognitiva, talvez resultado de uma rede de sinapses mais complexa do que
a dos que desenvolvem demência. Essa reserva permitiria resistir mais
aos efeitos dos oligômeros. Essa ideia vem da observação de que os
assintomáticos costumam ser pessoas com um nível de escolaridade maior
ou que aprenderam a falar e a escrever cedo na infância. Na Unicamp,
Balthazar tenta confirmar o efeito protetor da reserva cognitiva
comparando a conectividade das redes neuronais em pacientes idosos com
diferentes graus de escolaridade, hábitos de leitura e vida social. n
Projetos
Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia – Brainn (n° 2013/07559-3); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Fernando Cendes – FCM/Unicamp; Investimento R$ 13.621.302,32 (FAPESP).
Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia – Brainn (n° 2013/07559-3); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Fernando Cendes – FCM/Unicamp; Investimento R$ 13.621.302,32 (FAPESP).
Artigos científicos
ANDRADE-MORAES, C.H. et al. Cell number changes in Alzheimer’s disease relate to dementia, not to plaques and tangles. Brain. dez. 2013.
LOURENCO, M.V. et al. TNF- Mediates PKR-dependent memory impairment and brain IRS-1 inhibition induced by Alzheimer’s ß-amyloid oligomers in mice and monkeys. Cell Metabolism. 3 dez. 2013.
BALTHAZAR, M.L. et al. Whole cortical and default mode network mean functional connectivity as potential biomarkers for mild Alzheimer’s disease. Psychiatry Research. 11 nov. 2013.
ANDRADE-MORAES, C.H. et al. Cell number changes in Alzheimer’s disease relate to dementia, not to plaques and tangles. Brain. dez. 2013.
LOURENCO, M.V. et al. TNF- Mediates PKR-dependent memory impairment and brain IRS-1 inhibition induced by Alzheimer’s ß-amyloid oligomers in mice and monkeys. Cell Metabolism. 3 dez. 2013.
BALTHAZAR, M.L. et al. Whole cortical and default mode network mean functional connectivity as potential biomarkers for mild Alzheimer’s disease. Psychiatry Research. 11 nov. 2013.
Pesquisadores identificam ancestral dos vertebrados de quatro patas.
Peixe pulmonado africano é agora considerado o parente mais próximo
dos tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros
A transição dos vertebrados da água para a terra constitui um dos
principais capítulos de nossa história evolutiva. Agora, a partir do
sequenciamento do genoma do celacanto – espécie de peixe africano –, uma
rede interdisciplinar de pesquisadores internacionais verificou a
existência de novas evidências de que outra espécie africana bastante
primitiva de peixe pulmonado com nadadeiras lobadas, conhecida como Protopterus annectens,
pode ser, do ponto de vista evolutivo, o parente mais próximo dos
tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros, no qual
estão inclusos animais como ratos, cachorros e também o ser humano.
Até então se acreditava que o celacanto poderia igualmente ser um
provável candidato a ancestral dos tetrápodes. Isso porque, assim como
os peixes pulmonados, o celacanto também possui nadadeiras lobadas, isto
é, nadadeiras com ossos que, nos animais de quatro patas, correspondem
aos ossos dos braços e pernas. No estudo, que é capa da edição desta
semana da revista Nature, os pesquisadores sequenciaram o
material genético do celacanto – composto por aproximadamente três
bilhões de “letras químicas” e de tamanho semelhante ao do genoma humano
– e compararam alguns trechos com o material genético do P. annectens e de outras 20 espécies de vertebrados.
Além de concluir que os tetrápodes estão mais próximos evolutivamente
dos peixes pulmonados do que dos celacantos, o grupo de pesquisadores
confirmou algo de que já suspeitava: que os genes dos celacantos estão
evoluindo mais lentamente em comparação com outros organismos vivos.
“Essa é uma das razões pelas quais essa espécie de peixe se assemelha
morfologicamente aos esqueletos fossilizados de seus ancestrais de mais
de 300 milhões de anos”, comentou o biólogo brasileiro Igor Schneider,
da Universidade Federal do Pará e um dos pesquisadores envolvidos no
estudo.
A hipótese para essa lentidão nos índices de evolução dos genes é que
os celacantos não enfrentaram condições ambientais que favorecessem o
acúmulo de alterações genéticas. Eles continuam vivendo primariamente na
costa leste da África e, pelo fato de se parecerem muito com os fósseis
de milhões de anos atrás, são considerados pelos biólogos como “fósseis
vivos”.
Contudo, apesar de as evidências sugerirem que os peixes pulmonados
estão evolutivamente mais próximos dos tetrápodes, estudos filogenéticos
envolvendo os celacantos continuam sendo fundamentais para a
compreensão de como os vertebrados conseguiram migrar da água para a
terra. Isso porque os peixes pulmonados ainda não têm seu genoma
sequenciado – estima-se que tais peixes tenham um genoma de
aproximadamente 100 bilhões de “letras”.
Schneider e seu grupo de pesquisadores são responsáveis por parte dos
experimentos que compõem o estudo. No Brasil, eles identificaram a
partir de amostras do código genético do Latimeria chalumnae,
espécie de celacanto analisada, trechos do DNA do peixe responsáveis
pela ativação de genes que codificam proteínas relacionadas ao
desenvolvimento de membros. “Como se fossem interruptores gênicos”,
explica o biólogo.
Em seguida, eles inseriram trechos desses interruptores em embriões
de camundongos transgênicos. Ao fazerem isso, verificaram que, mesmo
sendo duas espécies separadas por milhões de anos de evolução, os genes
responsáveis pelo desenvolvimento de membros nos celacantos ativaram os
mesmos mecanismos para o surgimento de membros nos camundongos. “Isso
significa que os genes associados ao desenvolvimento de membros já
existiam no material genético dessa espécie primitiva de peixes há mais
de 300 milhões de anos”, ressalta Schneider.
Assim, o celacanto continua a fornecer uma oportunidade única para
identificar mudanças genômicas associadas à adaptação bem-sucedida dos
vertebrados tetrápodes ao meio ambiente terrestre. Para entender melhor
como se deu essa adaptação, os pesquisadores analisaram o genoma do
peixe a fim de identificar genes que ao longo de mais de 400 milhões de
anos foram sendo eliminados, já que não eram mais necessários, dadas as
condições de vida em terra.
Ao menos 50 genes foram eliminados durante o surgimento dos
tetrápodes. Ainda, a substituição desses genes por outros elementos
regulatórios no decorrer dessa transição permitiu a esses animais
desenvolverem novas habilidades que os ajudaram a melhor se adaptar a
esse novo ambiente, como, por exemplo, percepção de cheiro e odores
transportados pelo ar, mudanças no sistema imunológico, além de regiões
genéticas que podem ter sido evolutivamente recrutadas para o
desenvolvimento de membros como dedos e polegares.
De acordo com os pesquisadores, estudos mais detalhados sobre essas
mudanças entre celacantos e tetrápodes podem ajudar a compreender melhor
como organismos complexos, a exemplo dos vertebrados, podem se adaptar a
novos ambientes.
Artigo científico
AMEMIYA, CT et al. “The African coelacanth genome provides insights into tetrapod evolution”. Nature. v. 496. p. 311-316. 18 abr. 2013.
AMEMIYA, CT et al. “The African coelacanth genome provides insights into tetrapod evolution”. Nature. v. 496. p. 311-316. 18 abr. 2013.
Comportamento animal (abelhas).
Estranha no ninho
Rainha forasteira invade colmeia órfã e assume o comando das operárias
As abelhas da espécie Melipona scutellaris, comuns na região
Nordeste do Brasil, são conhecidas por não ferroarem (têm um ferrão
atrofiado), por produzirem mel em abundância e por gerarem muitas
rainhas numa mesma colônia. Apenas uma, no entanto, é escolhida para
comandar a colmeia. Às outras, quando não são mortas pelas operárias,
resta respeitar a linha sucessória e aguardar pacientemente a morte da
soberana original. Ou, se derem sorte, abandonar a casa de origem e
formar novas colônias com parte das operárias-irmãs. Até pouco tempo
atrás essas eram as únicas formas conhecidas pelas quais as abelhas
aspirantes ao papel de rainha – os biólogos as chamam de rainhas virgens
– podiam ascender ao poder. Agora se sabe que esse repertório é maior.
Estudos realizados pela bióloga Denise de Araujo Alves e seus colaboradores revelam que as abelhas Melipona scutellaris,
mais conhecidas como uruçu-nordestina, podem adotar um terceiro e mais
arriscado caminho para chegar ao topo da hierarquia social. Em muitas
situações, as rainhas virgens escapam de serem mortas pelas operárias e
abandonam seus próprios ninhos. Durante a fuga, elas conseguem
identificar e invadir colmeias que se tornaram órfãs com a morte da
soberana original, mãe das demais abelhas da colônia. Com essa
estratégia furtiva, abelhas sem um reino próprio agem como parasitas
sociais: conseguem se impor às operárias que não são suas parentes e se
beneficiam do trabalho delas. “É a luta pela sobrevivência”, conta
Denise, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão
Preto.
Os trabalhos de Denise indicam ainda que as invasões têm hora
marcada. Acontecem ao cair da tarde, quando é quase noite e as operárias
que fazem a guarda dos ninhos estão menos alertas. “Parece ser uma ação
calculada”, completa a bióloga.
A hipótese da ocupação de colônias por rainhas invasoras foi sugerida
pela primeira vez em 2003 pelo pesquisador holandês Marinus Sommeijer.
Trabalhando com abelhas Melipona favosa na Costa Rica e em
Trinidad e Tobago, Sommeijer e sua equipe notaram que algumas colônias
pareciam ter sido invadidas por forasteiras. Mas suas observações não
permitiam confirmar a suspeita. Em 2008, durante seu doutorado, Denise e
seus colaboradores decidiram retomar o problema e acompanharam duas
populações de Melipona scutellaris – uma mantida no Laboratório
de Abelhas do Instituto de Biociências da USP, em São Paulo, e outra na
fazenda Aretuzina, em São Simão, no interior do estado, de propriedade
de Paulo Nogueira-Neto, um dos pioneiros nas pesquisas com abelhas sem
ferrão. Nessas duas populações, a pesquisadora coletou pupas de
operárias de 23 ninhos em dois momentos: antes e depois da substituição
das rainhas-mãe. Ao comparar as características genéticas da prole de
cada colônia, os pesquisadores esperavam descobrir se a rainha morta
havia sido substituída por outra rainha da própria colônia ou por uma
invasora.
Na Universidade de Leuven, na Bélgica, em parceria com o biólogo Tom
Wenseleers, Denise analisou o parentesco das pupas com uso de marcadores
genéticos e verificou que os 23 ninhos haviam passado por 24 trocas de
rainhas. Em seis casos (25% do total), o comando da colmeia havia sido
conquistado por uma rainha invasora – essas abelhas são chamadas de
parasitas sociais porque seus descendentes recebem os cuidados de
operárias com as quais não têm parentesco genético.
“A invasão permite agora entender por que em algumas espécies é comum
encontrar tantas rainhas num mesmo ninho”, explica a bióloga Vera Lúcia
Imperatriz Fonseca, uma das mais respeitadas estudiosas de abelhas no
país e orientadora de Denise no doutorado. Segundo Denise, a presença de
várias rainhas numa mesma colônia era entendida como uma espécie de
reserva para a eventual morte da soberana original ou para a fundação de
um ninho-filho. “Mostramos que, caso escapem de serem mortas em suas
colônias natais, algumas rainhas saem delas, acasalam com machos nas
proximidades do ninho e penetram, já fecundadas, em colônias órfãs da
população”, diz a bióloga. Uma vez instaladas nas novas colônias, essas
rainhas iniciam a postura de ovos e se aproveitam do trabalho de
operárias não aparentadas para manter sua prole.
Ao anoitecer
Depois de comprovar a existência de rainhas invasoras, Denise começou a investigar a razão do sucesso das forasteiras. Em outro trabalho feito em parceria com o grupo de Leuven, os pesquisadores brasileiros acompanharam por dois meses o cotidiano de oito colônias de Melipona scutellaris no Laboratório de Comportamento e Ecologia de Insetos Sociais da USP em Ribeirão Preto, coordenado por Fábio Nascimento. Entre fevereiro e março de 2012, a equipe identificou 520 rainhas virgens e marcou cada uma com um minúsculo chip no tórax. Um leitor instalado na entrada de cada colônia registrava a passagem dessas abelhas – tanto as do próprio ninho quanto as invasoras.
Depois de comprovar a existência de rainhas invasoras, Denise começou a investigar a razão do sucesso das forasteiras. Em outro trabalho feito em parceria com o grupo de Leuven, os pesquisadores brasileiros acompanharam por dois meses o cotidiano de oito colônias de Melipona scutellaris no Laboratório de Comportamento e Ecologia de Insetos Sociais da USP em Ribeirão Preto, coordenado por Fábio Nascimento. Entre fevereiro e março de 2012, a equipe identificou 520 rainhas virgens e marcou cada uma com um minúsculo chip no tórax. Um leitor instalado na entrada de cada colônia registrava a passagem dessas abelhas – tanto as do próprio ninho quanto as invasoras.
Nos 40 dias em que acompanharam a movimentação das rainhas, os
pesquisadores identificaram o trânsito de oito rainhas, das quais três
eram parasitas sociais. De acordo com os dados, apresentados na edição
de setembro da Animal Behaviour, as invasões aconteceram sempre
ao cair da tarde ou no começo da noite, entre as 17 e as 20 horas.
“Durante o dia há uma movimentação intensa de entrada de pólen e néctar
na colmeia e muitas operárias ficam alertas, tomando conta das entradas
das colônias para evitar furtos dos seus estoques de alimento”, conta
Denise. “É difícil furar esse bloqueio.” Já no final da tarde, quando a
busca por comida diminui e a luminosidade é mais baixa, essa vigilância
fica reduzida e as rainhas parasitas aproveitam esses descuidos. Denise
suspeita que as rainhas invasoras identifiquem as colônias órfãs
guiando-se por pistas químicas. “Nossos dados mostraram que as rainhas
entram nos ninhos no fim da tarde e que só invadem os ninhos órfãos”,
conta.
Além das implicações evolutivas desse fenômeno, as invasões de
colmeias pode influenciar o trabalho dos criadores de abelhas, que
normalmente selecionam e dividem os ninhos levando em conta a capacidade
de produção de mel de uma colônia. “Com o parasitismo, outra linhagem
genética toma conta da colônia e a eficiência de produção pode mudar com
o nascimento de operárias filhas da rainha invasora”, alerta Denise. Do
ponto de vista ecológico, a ocupação do ninho alheio representa um
mecanismo eficiente de dispersar seus genes. “Dessa maneira, a
variabilidade genética de uma população pode ser alterada porque o
parasitismo social pode aumentar o fluxo gênico entre populações.”
Para Vera Fonseca, o que Denise observou nas colmeias de Melipona scutellaris pode ser um fenômeno mais geral, que ocorre com outras espécies do gênero Melipona e com abelhas com ferrão. “Com as mudanças climáticas, as Melipona scutellaris
provavelmente irão buscar ambientes a que se adaptem melhor”, diz Vera,
que é professora na USP em São Paulo. “Caso seja necessário fazer o
deslocamento assistido dessa espécie, é relevante conhecer como essas
abelhas estruturam geneticamente a sua população.”
Como próximo passo, Denise planeja usar os chips e os
detectores para estudar a dinâmica de espécies que produzem poucas
rainhas. “Queremos verificar se esse comportamento invasivo também
ocorre em outras espécies que não pertençam ao gênero Melipona”, diz.
Projetos
1. Parasitismo social intraespecífico como estratégia reprodutiva em abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) (2010/19717-4); Modalidade bolsa de pós-doutorado; Coord. Denise de Araujo Alves/USP-RP; Investimento R$ 237.463,20 (FAPESP).
2. Mediação comportamental, sinalização química e aspectos fisiológicos reguladores da organização social em himenópteros (2010/10027-5); Modalidade Jovem Pesquisador; Coord. Fábio Santos do Nascimento/USP-RP; Investimento R$ 260.000,00 (FAPESP).
1. Parasitismo social intraespecífico como estratégia reprodutiva em abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) (2010/19717-4); Modalidade bolsa de pós-doutorado; Coord. Denise de Araujo Alves/USP-RP; Investimento R$ 237.463,20 (FAPESP).
2. Mediação comportamental, sinalização química e aspectos fisiológicos reguladores da organização social em himenópteros (2010/10027-5); Modalidade Jovem Pesquisador; Coord. Fábio Santos do Nascimento/USP-RP; Investimento R$ 260.000,00 (FAPESP).
Artigos científicos
VAN OYSTAEYEN, A. et al. Sneaky queens in Melipona bees selectively detect and infiltrate queenless colonies. Animal Behaviour. v. 86, n.3, p. 603-9. Set. 2013.
WENSELEERS, T. et al. Intraspecific queen parasitism in a highly eusocial bee. Biology Letters. v. 7, p. 173-6. 2010.
VAN OYSTAEYEN, A. et al. Sneaky queens in Melipona bees selectively detect and infiltrate queenless colonies. Animal Behaviour. v. 86, n.3, p. 603-9. Set. 2013.
WENSELEERS, T. et al. Intraspecific queen parasitism in a highly eusocial bee. Biology Letters. v. 7, p. 173-6. 2010.
É pau, é pedra...
Plantas petrificadas revelam como era há quase 300 milhões de anos a paisagem onde agora ficam Tocantins e São Paulo
Samambaiaçus de 15 metros de altura ao longo dos rios e coníferas nas
áreas mais secas. Em menor quantidade, plantas aparentadas às atuais
cavalinhas (que se parecem com canudos verticais não mais longos do que
1,5 metro) nos dois ambientes. Era essa a vegetação de uma área próxima
ao município de Filadélfia, no Tocantins, no início do Permiano, há
quase 300 milhões de anos. Nesse período, os blocos que formam a América
do Sul eram agrupados de modo bem diferente e estavam mais ao sul no
planeta – a região onde está São Paulo, por exemplo, era coberta por
geleiras. À medida que esses blocos migraram para regiões mais quentes
da Terra, a flora pôde migrar. Mais próximo ao fim do Permiano, cerca de
270 milhões de anos atrás, já havia vegetação onde agora é o interior
paulista.
“Eu apostava que encontraria mais semelhanças entre os fósseis desse
período encontrados na bacia do Parnaíba, no Nordeste, e os achados na
bacia do Paraná, no Sudeste”, diz a paleobotânica Rosemarie Rohn Davies,
da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. “Mas só as
samambaias são parecidas.” Esse retrato de um passado distante é
resultado do testemunho de troncos e folhas petrificadas, estudados pela
equipe de Rosemarie e por pesquisadores da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), com financiamento da FAPESP, e da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A análise dos caules dessas samambaias gigantes, que ainda jazem
quase inteiros no Monumento Natural das Árvores Petrificadas do
Tocantins, e também de folhas que parecem rendas de pedra, foi tema do
doutorado concluído em 2011 pela bióloga Tatiane Marinho Vieira Tavares,
agora professora temporária na Universidade Federal do Tocantins, em
Araguaína. Ela descreveu a anatomia e a morfologia desse material, que
pertencia aos gêneros Psaronius e Tietea – este último
também encontrado na bacia do Paraná, tema do mestrado da pesquisadora.
Aparentemente, as samambaias conseguiram avançar do norte para o sul ao
longo dos milhões de anos, à medida que o Gondwana, o supercontinente
que abrigava boa parte dos continentes hoje no hemisfério Sul, se
deslocava para o norte e se tornava mais quente.
As
folhas foram descritas como pertencentes a uma nova espécie por serem
diferentes do que já se tinha visto, mas é impossível determinar com
qual dos caules elas formavam uma planta viva. É que o conceito
paleontológico de espécie é bem distinto daquele empregado na biologia,
um foco de discussões infinitas entre especialistas. Como os
paleontólogos em geral não têm como reunir as diferentes partes dos
fósseis vegetais – raiz, caule, folhas etc. – no quebra-cabeça de uma
mesma planta, é aceito que cada parte seja descrita como uma espécie
diferente. No caso das samambaias fósseis do Tocantins, as folhas eram
muito mais espessas do que as das atuais, conforme mostra artigo em fase
de publicação na Review of Palaeobotany and Palynology. “Essa
característica tem tudo a ver com as condições ambientais”, explica a
bióloga, que foi orientada por Rosemarie. “A lâmina foliar espessa
protege as estruturas reprodutivas e evita a perda excessiva de água num
ambiente árido ou semiárido.” É surpreendente porque samambaias
dependem de água pelo menos em algumas fases reprodutivas, e por isso
são normalmente associadas a ambientes úmidos, mas o que permitia a
subsistência dessas grandes árvores eram os cursos de água à margem dos
quais elas cresciam.
Em meio às samambaias, mas não só, cresciam esfenófitas, hoje
representadas apenas pelas cavalinhas e estudadas pelo ecólogo Rodrigo
Neregato, que recentemente concluiu o doutorado com Rosemarie. Ele
descreveu cinco espécies novas de Arthropitys e encontrou dois
tipos distintos: um com uma medula bem grande, que sugere um hábitat
próximo à água, e outro com um caule mais suculento, que devia conferir
às plantas uma estrutura mecânica adequada para a vida em solo firme, um
pouco mais afastado dos rios.
Novidade antiga
As análises revelaram plantas bastante diferentes do que dizem os livros, a começar pela capacidade inesperada de viver em solo seco. Elas também parecem maiores do que se acredita. “Temos exemplares de 3 metros que não compreendem a planta completa”, explica Neregato. Mas o que ele antecipa causar mais surpresa são as raízes verticais, em vez do rizoma horizontal postulado para esse grupo de plantas. “Temos um exemplar com raiz conectada ao tronco, o único até agora conhecido”, comemora. Ele acredita que o padrão vale para as outras esfenófitas da época, melhorando a absorção de água e a fixação no solo instável. “Era um peso bastante grande, uma estrutura em T invertido não seria capaz de sustentá-lo.”
As análises revelaram plantas bastante diferentes do que dizem os livros, a começar pela capacidade inesperada de viver em solo seco. Elas também parecem maiores do que se acredita. “Temos exemplares de 3 metros que não compreendem a planta completa”, explica Neregato. Mas o que ele antecipa causar mais surpresa são as raízes verticais, em vez do rizoma horizontal postulado para esse grupo de plantas. “Temos um exemplar com raiz conectada ao tronco, o único até agora conhecido”, comemora. Ele acredita que o padrão vale para as outras esfenófitas da época, melhorando a absorção de água e a fixação no solo instável. “Era um peso bastante grande, uma estrutura em T invertido não seria capaz de sustentá-lo.”
Longe dos rios a paisagem era dominada por gimnospermas, semelhantes
aos pinheiros atuais. Por causa dessa especialização ecológica, os
fósseis petrificados dessas plantas são bem menos abundantes do que os
de samambaias. A sílica dissolvida na água é a responsável por preservar
as estruturas anatômicas em três dimensões. Quando a planta caída
começa a se decompor, seus tecidos liberam gás carbônico que acidifica a
água alcalina, precipitando a sílica que penetrou nas células vegetais.
Mais longe dos rios, as coníferas tendiam a se decompor mais
rapidamente e os fósseis são mais raros. Era por isso um grupo menos
estudado, até que Rosemarie sugeriu à bióloga Francine Kurzawe, à época
doutoranda no grupo de Roberto Iannuzzi na UFRGS, investigá-lo. “Na
maior parte das vezes temos acesso apenas a fragmentos pequenos já muito
rolados, com as camadas mais externas desgastadas”, conta Francine,
atualmente pós-doutoranda na Universidade de Londres.
Em dois artigos publicados este mês na Review of Palaeobotany and Palynology,
ela descreve uma série de novas espécies de coníferas, além de
estruturas inusitadas. “A medula das gimnospermas fossilizadas tem
canais que representam adaptação a um clima seco”, conta, corroborando
as condições climáticas denunciadas pelas folhas das samambaias. Segundo
ela, hoje esses canais só existem nas plantas jovens, que perdem a
medula à medida que crescem. Os pinheiros adultos, com o tronco oco onde
já houve medula, não têm esses canais especializados no armazenamento
de água.
A flora estudada por Francine indica semelhanças entre a de Gondwana e
a da Euramérica, atualmente a parte norte do planeta. “A região onde
hoje fica o Tocantins estava no limite entre as duas regiões”, explica a
bióloga. As gimnospermas dali parecem ter permanecido em latitudes
caracterizadas por temperaturas mais amenas, sem migrarem ao sul. É o
que indicam os fósseis, todos diferentes daqueles do Tocantins,
encontrados em sete municípios no interior paulista e estudados pelo
paleobotânico Rafael Faria durante o doutorado na Unicamp, orientado por
Fresia Ricardi-Branco.
Faria, agora professor na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, estudou madeira petrificada – ou permineralizada, como
preferem os especialistas – de plantas que viveram há cerca de 270
milhões de anos tanto ao microscópio tradicional como ao microscópio
eletrônico de varredura, que lhe permitiu enxergar melhor as estruturas
celulares. Ele defendeu o doutorado em abril, e a parte que descreve os
fósseis mais bem preservados está em processo de publicação na Review of Palaeobotany and Palynology.
Uma surpresa foi identificar hifas de fungos em amostras que à
primeira vista pareciam sujas. “É o primeiro registro de fungo
fossilizado em madeira dessa época no Gondwana”, conta o pesquisador,
que interpreta o achado como um indício de colapso do ecossistema. “É
como se houvesse muita matéria orgânica para ser degradada, propiciando a
proliferação dos fungos.”
Ecologia fóssil
O pesquisador de Campinas também descreveu um pouco da ecologia dessas plantas, a partir do estudo dos anéis de crescimento. Nas regiões temperadas as coníferas em geral produzem madeira com propriedades distintas conforme a estação: na primavera e no verão propicia o transporte de água para a copa (e portanto o crescimento), e no outono é mais centrada em sustentação. Ao comparar os anéis de crescimento dos fósseis aos das espécies atuais, é possível inferir se as coníferas do Permiano perdiam ou não as folhas no inverno. As análises indicaram uma comunidade com predomínio de árvores perenes, que não se desfolhavam, sobretudo na Formação Teresina, cujos fósseis afloram em Angatuba, Conchas e Laras. A outra formação estudada por ele, Irati (em Piracicaba, Saltinho, Rio Claro e Santa Rosa de Viterbo), está em camadas um pouco mais profundas – mais antigas – e abrigava uma proporção maior de árvores decíduas, que perdiam as folhas no inverno. Para ele, essas observações corroboram dados anteriores indicando que, no Permiano, essa região do Brasil estava mais ao sul do que hoje.
O pesquisador de Campinas também descreveu um pouco da ecologia dessas plantas, a partir do estudo dos anéis de crescimento. Nas regiões temperadas as coníferas em geral produzem madeira com propriedades distintas conforme a estação: na primavera e no verão propicia o transporte de água para a copa (e portanto o crescimento), e no outono é mais centrada em sustentação. Ao comparar os anéis de crescimento dos fósseis aos das espécies atuais, é possível inferir se as coníferas do Permiano perdiam ou não as folhas no inverno. As análises indicaram uma comunidade com predomínio de árvores perenes, que não se desfolhavam, sobretudo na Formação Teresina, cujos fósseis afloram em Angatuba, Conchas e Laras. A outra formação estudada por ele, Irati (em Piracicaba, Saltinho, Rio Claro e Santa Rosa de Viterbo), está em camadas um pouco mais profundas – mais antigas – e abrigava uma proporção maior de árvores decíduas, que perdiam as folhas no inverno. Para ele, essas observações corroboram dados anteriores indicando que, no Permiano, essa região do Brasil estava mais ao sul do que hoje.
A ecologia permiana no atual Tocantins foi o tema de doutorado de
Robson Capretz sob orientação de Rosemarie em Rio Claro. Ecólogo, ele
estudou os fósseis e sua disposição em uma área da bacia do Parnaíba e
buscou reconstituir como seria a floresta por ali. “Me concentrei na
ecologia dos fósseis, e não na anatomia”, especificou, distinguindo sua
pesquisa daquela conduzida por seus colegas. As principais conclusões,
segundo ele, indicam que a região era muito plana e tinha um regime de
chuvas semelhante ao das monções da Índia, com temporais muito fortes
que periodicamente interrompiam períodos de seca e cobriam a região com
uma lâmina de água razoavelmente espessa. A enxurrada derrubava os
caules, que eram transportados por curtas distâncias e terminavam
alinhados na mesma direção e soterrados na areia, como mostram
resultados publicados este mês na revista Journal of South American Earth Sciences. “Não sabemos qual era a frequência dessas chuvas”, conta Capretz, “no resto do tempo era quase desértico”.
A disposição dos fósseis vegetais permite reconstruir as
características dos rios – se eram caudalosos ou lentos, estreitos ou
largos, retos ou sinuosos. A descrição resultante contraria um quadro
traçado por estudos geológicos, de que a região seria caracterizada por
dunas semelhantes às que hoje se espraiam nos Lençóis Maranhenses. “Mas
não há samambaias nos Lençóis Maranhenses”, lembra Capretz, que adota a
máxima de que o presente é a chave do passado. Assim, seus resultados
ajudaram Tatiane a interpretar o que viu em suas folhas fossilizadas.
Essa dinâmica das águas também é responsável pela deposição de sílica
nos troncos, petrificando as samambaias. “Se não fossem submersas e
soterradas rapidamente por areia, elas se decomporiam”, explica o
ecólogo. Essas condições especiais tornam Tocantins muito importante
para estudos paleontológicos. “Não existem muitas áreas com vegetais
petrificados no país, por isso há poucos estudos desse tipo”, conta
Capretz.
Passado no presente
Rosemarie confirma que o clima é essencial para a boa preservação dos fósseis: quando a alternância de estações é muito marcada, aumenta a chance de ocorrer o tipo de fossilização encontrado no Tocantins, onde os troncos e folhas foram preservados em suas três dimensões. “Na bacia do Paraná os fósseis são bidimensionais”, lamenta, e isso dificulta a comparação entre as duas regiões.
Rosemarie confirma que o clima é essencial para a boa preservação dos fósseis: quando a alternância de estações é muito marcada, aumenta a chance de ocorrer o tipo de fossilização encontrado no Tocantins, onde os troncos e folhas foram preservados em suas três dimensões. “Na bacia do Paraná os fósseis são bidimensionais”, lamenta, e isso dificulta a comparação entre as duas regiões.
Mas quem caminha com frequência e atenção pela terra seca do
Monumento Natural das Árvores Petrificadas tem grandes chances de
encontrar fósseis. Essa riqueza muitas vezes faz a alegria de quem vende
fósseis, atividade proibida no Brasil. Por esse motivo, muito do
trabalho sobre a flora fóssil brasileira foi feito na Alemanha, onde
pesquisadores adquiriram material petrificado sem saber que a coleta
havia sido irregular. Ao menos esse material hoje está disponível aos
brasileiros por meio da colaboração de Francine e do grupo de Rosemarie
com Robert Noll e Ronny Rößler, este último diretor do Museu de
Chemnitz, onde estão fósseis que evidenciam a semelhança da flora
permiana do Tocantins e da Alemanha.
Os pesquisadores envolvidos no estudo das florestas petrificadas
alertam que não só os comerciantes de fósseis são uma ameaça à
preservação dessa história. A proteção excessiva, que impede acesso até
mesmo aos especialistas, é sentida por eles como um entrave ao avanço do
conhecimento. “Para estudar as gimnospermas é preciso coletar material e
preparar lâminas para exame ao microscópio”, exemplifica Rosemarie, “é
impossível identificar qualquer coisa a olho nu”. Rafael Faria, cuja
área de estudo está fora de áreas de preservação, aposta na divulgação
de seu trabalho para obter mais material. Já lhe aconteceu de receber
ligações de fazendeiros do interior paulista oferecendo fragmentos de
“pau-pedra” encontrados no chão.
Artigos científicos
CAPRETZ, R. L. & ROHN, R. Lower Permian stems as fluvial paleocurrent indicators of the Parnaíba Basin, northern Brazil. Journal of South American Earth Sciences. v. 45, p. 69-82. ago. 2013.
KURZAWE, F. et al. New gymnospermous woods from the Permian of the Parnaíba Basin, Northeastern Brazil, Part I: Ductoabietoxylon, Scleroabietoxylon and Parnaiboxylon. Review of Palaeobotany and Palynology. v. 195, n. 1, p. 37-49. 16 ago. 2013.
KURZAWE, F. et al. New gymnospermous woods from the Permian of the Parnaíba Basin, Northeastern Brazil, Part II: Damudoxylon, Kaokoxylon and Taeniopitys. Review of Palaeobotany and Palynology. v. 195, n. 1, p. 50-64. 16 ago. 2013.
CAPRETZ, R. L. & ROHN, R. Lower Permian stems as fluvial paleocurrent indicators of the Parnaíba Basin, northern Brazil. Journal of South American Earth Sciences. v. 45, p. 69-82. ago. 2013.
KURZAWE, F. et al. New gymnospermous woods from the Permian of the Parnaíba Basin, Northeastern Brazil, Part I: Ductoabietoxylon, Scleroabietoxylon and Parnaiboxylon. Review of Palaeobotany and Palynology. v. 195, n. 1, p. 37-49. 16 ago. 2013.
KURZAWE, F. et al. New gymnospermous woods from the Permian of the Parnaíba Basin, Northeastern Brazil, Part II: Damudoxylon, Kaokoxylon and Taeniopitys. Review of Palaeobotany and Palynology. v. 195, n. 1, p. 50-64. 16 ago. 2013.
Fauna do Pré-Cambriano.
A vida protegida por armaduras
Norte do Paraguai pode abrigar a maior diversidade de fósseis dos primeiros animais com esqueleto
Nos
arredores de Puerto Vallemí, um povoado com 9 mil moradores no norte do
Paraguai, está instalada a única empresa produtora de cimento do país.
Ali, a poucos quilômetros da cidade, a Indústria Nacional del Cemento
escava há décadas um paredão rochoso de 640 metros de altura do qual sai
boa parte do calcário usado na construção civil paraguaia e a poeira
branca que cobre a cidade nos dias de vento forte. Vasculhando as
escavações da mineradora e cavoucando barrancos nas estradas da região, o
geólogo brasileiro Lucas Warren encontrou recentemente o que chama de
“mina de ouro da paleontologia”.
As rochas que trouxe de lá e hoje ocupam uma grande mesa de sua sala
no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) estão
incrustadas com pequenas estruturas alongadas – elas têm, em média, 1
centímetro de comprimento – que lembram minhocas aprisionadas em um
bloco de lama endurecido pelo sol. Mas são algo muito mais raro,
encontrado em pouquíssimas regiões do mundo. São fósseis do que
provavelmente foram os primeiros seres vivos com esqueleto que surgiram
no planeta.
Especialista em sedimentologia e paleontologia, Lucas estima a idade
dos fósseis em 550 milhões de anos, a mesma das rochas de Puerto
Vallemí. O geólogo Eric Tohver, pesquisador da University of Western
Australia que colabora com a equipe da USP, tenta atualmente datar as
rochas contendo os fósseis por técnicas mais precisas. Se a idade for
confirmada, esses fósseis estarão entre os mais antigos de animais com
esqueleto biomineralizado, ao lado dos achados na Namíbia, sudoeste da
África, que viveram há 549 milhões de anos – fósseis encontrados mais
recentemente na China sugerem que esse tipo de animal possa ter existido
até mesmo antes, mas a identificação deles ainda é incerta.
São poucas, cinco ou seis, as espécies conhecidas dos primeiros seres
visíveis a olho nu que produziam esqueleto. E, segundo os registros
fósseis, elas existiram por pouco tempo, de 550 milhões a 542 milhões de
anos de atrás. Em Puerto Vallemí, Lucas e o geólogo paraguaio Alberto
Cáceres encontraram exemplares de duas espécies já conhecidas e ao menos
mais uma ainda não descrita pela ciência. Também identificaram
vestígios de seres vivos de corpo mole que viveram na mesma época e
deixaram marcas semelhantes a rastros impressas nas rochas.
Pode parecer pouco, mas não é. Encontrar registros de duas ou mais
dessas espécies vivendo no mesmo período e na mesma região é muito
incomum. Antes de Vallemí, essa convivência havia sido observada na
Namíbia, no Canadá, no Brasil, na China, em Omã e na Rússia. “A
qualidade dos fósseis encontrados no Paraguai e a variedade de espécies
tornam essa coleção uma das mais completas e representativas da fauna
daquele período”, comenta o paleontólogo Thomas Fairchild, do Instituto
de Geociências (IGc) da USP, que, com Lucas, Mírian Pacheco, Claudio
Riccomini, Marcelo Simões e outros colaboradores, descreveu os fósseis
de Puerto Vallemí.
Lucas encontrou esses fósseis em uma área delimitada a oeste pelo rio
Paraguai e a norte pelo rio Apa, na fronteira com Mato Grosso do Sul,
onde os geólogos Paulo Boggiani e Claudio Gaucher já haviam achado um
fóssil de um desses animais. Muitas das amostras coletadas por Lucas –
algumas ocupam duas mãos abertas – têm centenas de esqueletos
fossilizados, aprisionados em uma camada de quase 1 centímetro de
espessura.
Ele
não buscava fósseis quando chegou à região.
Nas primeiras expedições
em 2006, no início do doutorado sob a orientação de Boggiani, Lucas
planejava mapear a evolução da bacia sedimentar da região que se estende
por Mato Grosso do Sul, Bolívia, norte da Argentina e parte do Chile.
As rochas de lá indicavam que essa região havia sido ocupada pelo mar.
Há 550 milhões de anos, os continentes tinham uma conformação bem
diferente da atual. O imenso bloco continental sobre o qual se assentam a
Amazônia e o Paraguai estava isolado do restante da América do Sul,
numa posição mais austral. Esse trecho do continente sul-americano
formava um mar raso, de águas límpidas e hipersalinas.
Foi nesse cenário que os seres com esqueleto de Puerto Vallemí
provavelmente viveram. A forma como estão preservados nas rochas indica
que viviam ancorados nos sedimentos do fundo, uma esteira esverdeada de
cianobactérias que, ao fazer fotossíntese, retiravam gás carbônico da
água e o transformavam em carbonato de cálcio.
A maior parte dos fósseis dessa região pertence a animais de dois gêneros: Corumbella e Cloudina.
Os primeiros foram descritos em 1982 pela equipe do geólogo alemão
Detlef Walde, da Universidade de Brasília. Rochas coletadas na região de
Corumbá, Mato Grosso do Sul, continham fósseis de esqueletos com a
forma de uma pirâmide invertida. Os maiores exemplares dessa espécie,
denominada Corumbella werneri, alcançavam 10 centímetros de
comprimento – no Paraguai eles chegam a 5. Apesar de a espécie ter sido
identificada há três décadas, a composição do seu esqueleto ainda não é
bem conhecida. Analisando exemplares de Corumbella, a
paleobióloga Mírian Pacheco e Juliana Basso, do IGc, constataram
recentemente que o esqueleto desses fósseis tem uma concentração
importante de material orgânico – possivelmente à base de quitina, o
polissacarídeo do esqueleto dos insetos.
Lucas, Mírian e Fairchild também encontraram poros e papilas
microscópicas no esqueleto desses animais. Descritas em artigo publicado
em agosto deste ano na Geology, essas características indicam
que o esqueleto foi produzido por um cnidário, o grupo ao qual pertencem
medusas, anêmonas e águas-vivas. São animais com corpo mole bastante
simples – basicamente uma cavidade digestiva e uma oral, em alguns
casos rodeada por tentáculos com células urticantes.
Até onde se sabe, a distribuição de Corumbella é restrita.
Além de Corumbá e de Puerto Vallemí, exemplares desse gênero só foram
encontrados na Califórnia. Já os animais do gênero Cloudina eram
mais cosmopolitas. Os primeiros exemplares, que teriam vivido há 549
milhões de anos, foram identificados em 1972 na Namíbia. Posteriormente
sua presença foi confirmada em quase uma dúzia de países, e agora no
Paraguai.
Menores, os fósseis de Cloudina não passam de 3 centímetros.
Seu esqueleto lembra casquinhas de sorvete ou copos de café empilhados.
É composto por camadas de carbonato de cálcio, depositadas à medida que
o animal que habitava seu interior crescia. Mais rígido e de origem
exclusivamente mineral, o que facilita a fossilização, esse esqueleto
parece ter garantido mobilidade o suficiente para o animal – de corpo
mais complexo, provavelmente um anelídeo, grupo a que pertencem as
minhocas e os poliquetas (vermes marinhos) atuais – serpentear ao sabor
das ondas.
Não se sabe ao certo por que a capacidade de produzir esqueleto
surgiu no reino animal, provavelmente mais de uma vez, mas três
hipóteses tentam explicar. Uma delas sugere que a capacidade de produzir
esqueleto mineral seria uma forma de eliminar do organismo níveis
elevados do carbonato de cálcio extraído da água do mar. Ou seja, seria
um mecanismo de desintoxicação. Há também quem pense que o esqueleto,
uma vez surgido ao acaso, teria representado uma vantagem adaptativa por
dar a sustentação necessária para esses animais alcançarem alimentos
disponíveis acima da camada de sedimentos. “Estar 1 centímetro acima do
fundo pode ter permitido explorar uma região sem competidores”, diz
Lucas.
Projetos |
1. Isótopos Estáveis (C, O e Sr) do Grupo Itapucumi e correlações com o Grupo Corumbá (Ediacarano) – nº 2010/02677-0 2. Tectônica e sedimentação do Grupo Itapucumi no contexto das plataformas carbonáticas ediacaranas: abordagem geoquímica, geocronológica, paleomagnética e bioestratigráfica – nº 2010/19584-4 |
Modalidade |
1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 2. Pós-doutorado no país |
Coordenadores |
1. Paulo Cesar Boggiani – IGc/USP 2. Lucas Verissimo Warren – IGc/USP |
Investimento |
1. R$ 88.107,25 (FAPESP) 2. R$ 150.870,57 (FAPESP) |
Mas ele, Fairchild e os outros pesquisadores do IGc apostam numa
terceira possibilidade: o esqueleto, surgido ao acaso, funcionaria como
uma armadura que aumenta a chance de sobreviver ao ataque de predadores.
A razão que os leva a acreditar nessa hipótese é a coexistência de
seres com estratégias distintas de produção de esqueleto – os exemplares
de Cloudina, que extraem a matéria-prima da água, e os de Corumbella, que sintetizam em grande parte a partir de compostos orgânicos.
A predação, aliás, era uma forma de interação completamente nova. A
vida surgiu na Terra há 3,5 bilhões de anos. Os primeiros seres vivos,
as bactérias, tinham apenas uma célula, uma espécie de bolsa minúscula
contendo material genético e proteínas. E pelos 3 bilhões de anos
seguintes pouca coisa mudou. Alguns seres unicelulares passaram a viver
em colônias, em que cada grupo de células executava funções diferentes.
Mas, juntas, não formavam um organismo. Só entre 580 milhões e 560
milhões de anos atrás é que começaram a aparecer os primeiros organismos
multicelulares, de corpo gelatinoso organizado em tecidos e formas
incomuns (disco ou pena), conhecidos como biota de Ediacara.
Foi nessa época que apareceram os primeiros seres vivos capazes de se
deslocar sobre os sedimentos no fundo dos mares”, conta Fairchild. Até
então eles viviam fixos e fabricavam o próprio alimento usando a luz
solar e os nutrientes disponíveis no ambiente. “Antes do surgimento do
esqueleto, a vida era paz e amor”, brinca.
Seja qual for a razão da origem do esqueleto, o fato é que essa
estrutura parece ter influenciado radicalmente a vida no planeta. Assim
que os primeiros seres com armadura desapareceram, há 542 milhões de
anos, floresceu uma imensa variedade de seres vivos com corpos cada vez
mais complexos, precursores de todos os organismos que vivem hoje. Essa
mudança é a chamada explosão de vida do Cambriano. “Quem quiser entender
melhor o que aconteceu nessa fase de transformação da vida no planeta”,
diz Lucas, “não vai poder ignorar os fósseis de Vallemí”.
Artigos científicos
WARREN, L.V. et al. The dawn of animal skeletogenesis: Ultrastructural analysis of the Ediacaran metazoan Corumbella werneri. Geology. v. 40. p. 691-94. ago. 2012.
WARREN, L.V. et al. Corumbella and in situ Cloudina in association with thrombolites in the Ediacaran Itapucumi Group, Paraguay. Terra Nova. v. 23 (6), p. 382-89. dec. 2011.
WARREN, L.V. et al. The dawn of animal skeletogenesis: Ultrastructural analysis of the Ediacaran metazoan Corumbella werneri. Geology. v. 40. p. 691-94. ago. 2012.
WARREN, L.V. et al. Corumbella and in situ Cloudina in association with thrombolites in the Ediacaran Itapucumi Group, Paraguay. Terra Nova. v. 23 (6), p. 382-89. dec. 2011.
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