Peixe pulmonado africano é agora considerado o parente mais próximo
dos tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros
A transição dos vertebrados da água para a terra constitui um dos
principais capítulos de nossa história evolutiva. Agora, a partir do
sequenciamento do genoma do celacanto – espécie de peixe africano –, uma
rede interdisciplinar de pesquisadores internacionais verificou a
existência de novas evidências de que outra espécie africana bastante
primitiva de peixe pulmonado com nadadeiras lobadas, conhecida como Protopterus annectens,
pode ser, do ponto de vista evolutivo, o parente mais próximo dos
tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros, no qual
estão inclusos animais como ratos, cachorros e também o ser humano.
Até então se acreditava que o celacanto poderia igualmente ser um
provável candidato a ancestral dos tetrápodes. Isso porque, assim como
os peixes pulmonados, o celacanto também possui nadadeiras lobadas, isto
é, nadadeiras com ossos que, nos animais de quatro patas, correspondem
aos ossos dos braços e pernas. No estudo, que é capa da edição desta
semana da revista Nature, os pesquisadores sequenciaram o
material genético do celacanto – composto por aproximadamente três
bilhões de “letras químicas” e de tamanho semelhante ao do genoma humano
– e compararam alguns trechos com o material genético do P. annectens e de outras 20 espécies de vertebrados.
Além de concluir que os tetrápodes estão mais próximos evolutivamente
dos peixes pulmonados do que dos celacantos, o grupo de pesquisadores
confirmou algo de que já suspeitava: que os genes dos celacantos estão
evoluindo mais lentamente em comparação com outros organismos vivos.
“Essa é uma das razões pelas quais essa espécie de peixe se assemelha
morfologicamente aos esqueletos fossilizados de seus ancestrais de mais
de 300 milhões de anos”, comentou o biólogo brasileiro Igor Schneider,
da Universidade Federal do Pará e um dos pesquisadores envolvidos no
estudo.
A hipótese para essa lentidão nos índices de evolução dos genes é que
os celacantos não enfrentaram condições ambientais que favorecessem o
acúmulo de alterações genéticas. Eles continuam vivendo primariamente na
costa leste da África e, pelo fato de se parecerem muito com os fósseis
de milhões de anos atrás, são considerados pelos biólogos como “fósseis
vivos”.
Contudo, apesar de as evidências sugerirem que os peixes pulmonados
estão evolutivamente mais próximos dos tetrápodes, estudos filogenéticos
envolvendo os celacantos continuam sendo fundamentais para a
compreensão de como os vertebrados conseguiram migrar da água para a
terra. Isso porque os peixes pulmonados ainda não têm seu genoma
sequenciado – estima-se que tais peixes tenham um genoma de
aproximadamente 100 bilhões de “letras”.
Schneider e seu grupo de pesquisadores são responsáveis por parte dos
experimentos que compõem o estudo. No Brasil, eles identificaram a
partir de amostras do código genético do Latimeria chalumnae,
espécie de celacanto analisada, trechos do DNA do peixe responsáveis
pela ativação de genes que codificam proteínas relacionadas ao
desenvolvimento de membros. “Como se fossem interruptores gênicos”,
explica o biólogo.
Em seguida, eles inseriram trechos desses interruptores em embriões
de camundongos transgênicos. Ao fazerem isso, verificaram que, mesmo
sendo duas espécies separadas por milhões de anos de evolução, os genes
responsáveis pelo desenvolvimento de membros nos celacantos ativaram os
mesmos mecanismos para o surgimento de membros nos camundongos. “Isso
significa que os genes associados ao desenvolvimento de membros já
existiam no material genético dessa espécie primitiva de peixes há mais
de 300 milhões de anos”, ressalta Schneider.
Assim, o celacanto continua a fornecer uma oportunidade única para
identificar mudanças genômicas associadas à adaptação bem-sucedida dos
vertebrados tetrápodes ao meio ambiente terrestre. Para entender melhor
como se deu essa adaptação, os pesquisadores analisaram o genoma do
peixe a fim de identificar genes que ao longo de mais de 400 milhões de
anos foram sendo eliminados, já que não eram mais necessários, dadas as
condições de vida em terra.
Ao menos 50 genes foram eliminados durante o surgimento dos
tetrápodes. Ainda, a substituição desses genes por outros elementos
regulatórios no decorrer dessa transição permitiu a esses animais
desenvolverem novas habilidades que os ajudaram a melhor se adaptar a
esse novo ambiente, como, por exemplo, percepção de cheiro e odores
transportados pelo ar, mudanças no sistema imunológico, além de regiões
genéticas que podem ter sido evolutivamente recrutadas para o
desenvolvimento de membros como dedos e polegares.
De acordo com os pesquisadores, estudos mais detalhados sobre essas
mudanças entre celacantos e tetrápodes podem ajudar a compreender melhor
como organismos complexos, a exemplo dos vertebrados, podem se adaptar a
novos ambientes.
Artigo científico
AMEMIYA, CT et al. “The African coelacanth genome provides insights into tetrapod evolution”. Nature. v. 496. p. 311-316. 18 abr. 2013.
AMEMIYA, CT et al. “The African coelacanth genome provides insights into tetrapod evolution”. Nature. v. 496. p. 311-316. 18 abr. 2013.
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