Abelhas, formigas e vespas usam mesma classe de compostos para impedir reprodução de operárias
Há tempos se sabe que numa sociedade de abelhas geralmente só a
rainha se reproduz. Já os mecanismos responsáveis por essa divisão
reprodutiva e de trabalho entre rainhas e operárias por muitos anos
foram considerados um dos grandes mistérios da biologia. Hoje já se
conhece uma classe de compostos químicos determinante para a organização
social das abelhas. Agora, num estudo publicado na revista Science,
um grupo internacional de pesquisadores, entre eles brasileiros do
Instituto Zoológico da Universidade de Leuven, Bélgica, pode ter dado um
passo importante na tentativa de compreender melhor a evolução desse
caráter social tão marcante nas colônias.
No estudo, eles verificaram que esse composto químico — feromônios
conhecidos como hidrocarbonetos saturados — é usado pelas rainhas em
colônias não só de abelhas, mas também de vespas e formigas como uma
espécie de sinalização que indica às operárias sua fertilidade,
induzindo em alguns casos até mesmo ao não desenvolvimento de seus
ovários. O resultado indica que essa classe de compostos tenha se
conservado por toda a história evolutiva desses grupos.
Até então, a atuação desses compostos neste grupo de insetos (Hymenoptera) havia sido descrita somente para a abelha melífera (Apis melifera) e a formiga Lasius.
No estudo atual, os pesquisadores identificaram esse indutor de
esterilidade em representantes de cada um dos grupos. Para isso,
selecionaram a vespa comum (Vespula vulgaris), a abelha mamangava-da-cauda-amarelo-claro (Bombus terrestris) e a formiga do deserto (Cataglyphis iberica).
“Escolhemos espécies representativas para testar nossa hipótese de que
essa classe de compostos atua como feromônio de rainha nos três grupos
de insetos”, explica o biólogo Ricardo Caliari Oliveira, atualmente
doutorando no Laboratório de Socioecologia e Evolução Social da
Universidade de Leuven, coordenado pelo também biólogo Tom Wenseleers.
Após identificarem o composto em indivíduos dos três grupos, os
pesquisadores examinaram dados em artigos já publicados descrevendo as
diferenças dos perfis químicos de rainhas e operárias. Em seguida,
compararam o composto químico que haviam identificado com aqueles usados
por outras 64 espécies de abelhas, vespas e formigas cujos perfis
haviam sido descritos nos artigos que encontraram. Ao fazerem isso,
verificaram que a maioria delas compartilhava da mesma classe de
composto químico usado para inibir a reprodução entre as operárias. “E
ao reconstruir o que chamamos de estado ancestral desses grupos,
verificamos que essa classe de compostos químicos já era utilizada como
sinal de fertilidade pelo ancestral solitário de vespas, formigas e
abelhas há aproximadamente 145 milhões de anos”, conta o biólogo.
Nas colônias, as operárias utilizam o sinal como um indicativo de que
a rainha está fértil e se reproduzindo, sendo mais vantajoso para elas
auxiliar no desenvolvimento das irmãs (filhas da rainha) do que se
reproduzirem. “É possível que em estágios iniciais do desenvolvimento da
sociabilidade, as filhas utilizavam essas pistas químicas para
verificar se a rainha era fértil e saudável. Do contrário, elas se
reproduziriam por conta própria”, diz Oliveira. “Como esse sistema
funcionou, não se desenvolveu nenhum outro sistema de comunicação.” Os
pesquisadores suspeitam ainda que o ancestral usava esse composto
químico para atrair parceiros reprodutivos. “Como essa espécie não vivia
em colônia, acreditamos que esse feromônio era usado na atração de
machos pelas fêmeas”, conta.
O grupo agora pretende verificar se esse mesmo composto químico é
usado por rainhas de outras espécies de insetos. “No momento, estamos
estendendo nossas análises para espécies de abelhas sem ferrão
brasileiras e também espécies solitárias em colaboração com o
Laboratório de Ecologia Comportamental da Universidade de São Paulo
(USP), campus de Ribeirão Preto.”
Artigo científico
OYSTAEYEN, A. V. et al. Conserved Class of Queen Pheromones Stops Social Insect Workers from Reproducing. Science. v. 343, p. 287-90. jan 2014.
OYSTAEYEN, A. V. et al. Conserved Class of Queen Pheromones Stops Social Insect Workers from Reproducing. Science. v. 343, p. 287-90. jan 2014.
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