Clonagem e células-tronco
Mayana Zatz, professora
titular de Genética Humana e Médica, coordenadora do Centro de Estudos
do Genoma Humano, presidente da Associação Brasileira de Distrofia
Muscular, membro da Academia Brasileira de Ciências
Depto de Biologia, Universidade de São Paulo
O QUE É CLONAGEM?
Clonagem é um mecanismo comum de propagação da espécie em plantas ou
bactérias. De acordo com Webber (1903), o clone é definido como uma
população de moléculas, células ou organismos que se originaram de uma
única célula e que são idênticas à célula original e entre si.
Em humanos, clones naturais são os gêmeos idênticos que se originam
da divisão de um único óvulo fertilizado. A grande revolução que a Dolly
provocou abriu caminho para a possibilidade de clonagem humana. Pela
primeira vez, ficou patente que era possível clonar um mamífero, isto é,
produzir uma cópia geneticamente idêntica a partir de uma célula
somática diferenciada. Para entendermos por que essa experiência foi
surpreendente, precisamos recordar um pouco de embriologia.
Todos nós já fomos uma célula única, resultante da fusão de um óvulo
com um espermatozoide. Essa primeira célula já tem, em seu núcleo, o DNA
com toda a informação genética necessária para gerar um novo ser. Nas
células, o DNA fica extremamente condensado e organizado em cromossomos.
Com exceção das nossas células sexuais, o óvulo e o espermatozoide que
têm 23 cromossomos, todas as outras células do nosso corpo têm 46
cromossomos. Em cada uma delas, existem 22 pares que são iguais nos dois
sexos, os chamados autossomos, e um par de cromossomos sexuais : XX no
sexo feminino e XY no sexo masculino. As células com 46 cromossomos são
chamadas células somáticas.
Voltemos agora a nossa primeira célula resultante da fusão do óvulo e
do espermatozoide. Logo após a fecundação, ela começa a dividir-se: uma
célula em duas, duas em quatro, quatro em oito e assim por diante. Pelo
menos até a fase de oito células, cada uma delas é capaz de
desenvolver-se num ser humano completo. Por isso, são chamadas de
totipotentes. Na fase de 8 a 16 células, as células do embrião se
diferenciam em dois grupos: um grupo de células externas, que vão
originar a placenta e os anexos embrionários, e uma massa de células
internas que vai originar o embrião propriamente dito. Setenta e duas
horas depois da fecundação, esse embrião agora com cerca de 100 células
passa a ser chamado de blastocisto. É nessa fase que ocorre sua
implantação na cavidade uterina. As células internas do blastocisto que
vão originar as centenas de tecidos que compõem o corpo humano são
chamadas de células-tronco embrionárias pluripotentes.
Num dado momento, porém, as células somáticas, que até então eram
todas iguais, começam a diferenciar-se nos vários tecidos que vão compor
o organismo: sangue, fígado, músculos, cérebro, ossos, etc… Os genes
que controlam essa diferenciação e o processo pelo qual isso ocorre
ainda é um mistério.
O que sabemos é que, uma vez diferenciadas, as células somáticas
perdem a capacidade de originar qualquer tecido. As descendentes de uma
célula diferenciada vão manter as mesmas características daquela que as
originou, isto é, células de fígado vão originar células de fígado,
células musculares vão originar células musculares e assim por diante.
Apesar do número de genes e do DNA serem iguais em todas as células do
nosso corpo, nas células somáticas diferenciadas, os genes se expressam
de maneira diferente em cada tecido, isto é, a expressão gênica é
específica para cada tecido. Com exceção dos genes responsáveis pela
manutenção do metabolismo celular (“housekeeping genes”) que se
mantêm ativos em todas as células do organismo, só irão funcionar em
cada tecido ou órgão os genes importantes para sua manutenção. Os outros
se mantêm “silenciados” ou inativos.
O PROCESSO DE CLONAGEM REPRODUTIVA
A grande notícia que a Dolly trouxe consigo foi justamente a
descoberta de que uma célula somática de mamífero, já diferenciada,
poderia ser reprogramada ao estágio inicial e voltar a ser totipotente.
Isso foi conseguido transferindo o núcleo de uma célula somática da
glândula mamária da ovelha que originou Dolly para um óvulo enucleado
que, surpreendentemente, começou a comportar-se como um óvulo recém
fecundado por um espermatozoide. Isso provavelmente ocorreu porque o
óvulo, quando fecundado, tem mecanismos — para nós ainda desconhecidos –
para reprogramar o DNA de modo a tornar todos os seus genes novamente
ativos, o que ocorre no processo normal de fertilização.
Para obtenção de um clone, o óvulo enucleado para o qual foi
transferido o núcleo da célula somática foi inserido no útero de outra
ovelha. No caso da clonagem humana reprodutiva, a proposta seria
retirar-se o núcleo de uma célula somática, que teoricamente poderia ser
de qualquer tecido de uma criança ou de um adulto, inserir esse núcleo
em um óvulo e implantá-lo num útero (que funcionaria como barriga de
aluguel). Se esse óvulo conseguir desenvolver-se, teremos um novo ser
com as mesmas características físicas da criança ou do adulto de quem
foi retirada a célula somática. Seria como um gêmeo idêntico nascido
posteriormente.
Já sabemos que não é um processo fácil. Dolly só nasceu depois de 276
tentativas que fracassaram. Além disso, dentre as 277 células “da mãe
de Dolly“ que foram inseridas num óvulo sem núcleo, 90% não alcançaram
nem o estágio de blastocisto. A tentativa posterior de clonar outros
mamíferos, tais como camundongos, porcos, bezerros, um cavalo e um
veado, também tem mostrado eficiência muito baixa e proporção muito
grande de abortos e embriões malformados. Penta, a primeira bezerra
brasileira clonada a partir de uma célula somática adulta, em 2002,
morreu com um pouco mais de um mês. Ainda em 2002, foi anunciada a
clonagem do “copycat” o primeiro gato de estimação clonado a partir de
uma célula somática adulta. Para isso, foram utilizados 188 óvulos que
geraram 87 embriões e apenas um animal vivo. Na realidade, experiências
recentes, com diferentes modelos animais têm mostrado que a
reprogramação dos genes para o estágio embrionário, processo que
originou Dolly, é extremamente difícil.
O grupo liderado por Ian Wilmut, cientista escocês que se tornou
famoso por essa experiência, afirma que praticamente todos os animais
clonados nos últimos anos a partir de células não embrionárias estão com
problemas (Rhind , 2003). Entre os diferentes defeitos observados nos
pouquíssimos animais que nasceram vivos após inúmeras tentativas,
observam-se placentas anormais, gigantismo em ovelhas e gado, defeitos
cardíacos em porcos, problemas pulmonares em vacas, ovelhas e porcos,
problemas imunológicos, falha na produção de leucócitos, defeitos
musculares em carneiros. De acordo com Hochedlinger e Jaenisch (2003),
os avanços recentes em clonagem reprodutiva permitem quatro conclusões
importantes: 1) a maioria dos clones morre no início da gestação; 2) os
animais clonados têm defeitos e anormalidades semelhantes
independentemente da célula doadora ou da espécie; 3) essas
anormalidades provavelmente ocorrem por falhas na reprogramação do
genoma; 4) a eficiência da clonagem depende do estágio de diferenciação
da célula doadora. De fato, a clonagem reprodutiva a partir de células
embrionárias tem mostrado uma eficiência de 10 a 20 vezes maior
provavelmente porque os genes que são fundamentais no início da
embriogênese estão ainda ativos no genoma da célula doadora.
(Hochedlinger e Jaenisch, 2003)
É interessante que, dentre todos os mamíferos que já foram clonados, a
eficiência é um pouco maior em bezerros (cerca de 10% a 15%). Por outro
lado, um fato intrigante é que ainda não se tem notícia de macaco ou
cachorro que tenha sido clonado. Talvez seja por isso que a cientista
inglesa Ann McLaren afirme que as falhas na reprogramação do núcleo
somático possam constituir uma barreira intransponível para a clonagem
humana.
Mesmo assim, pessoas como o médico italiano Antinori ou a seita dos raelianos defendem a clonagem humana, procedimento que tem sido proibido em todos os países. Na realidade, em documento assinado em 2003, as academias de ciências de 63 países, inclusive do Brasil, pedem o banimento da clonagem reprodutiva humana. O fato é que a simples possibilidade de clonar humanos tem suscitado discussões éticas em todos os segmentos da sociedade. Por que clonar? Quem deveria ser clonado ? Quem iria decidir? Quem será o pai ou a mãe do clone? O que fazer com os clones que nascerem defeituosos?, são questões sempre em pauta.
Mesmo assim, pessoas como o médico italiano Antinori ou a seita dos raelianos defendem a clonagem humana, procedimento que tem sido proibido em todos os países. Na realidade, em documento assinado em 2003, as academias de ciências de 63 países, inclusive do Brasil, pedem o banimento da clonagem reprodutiva humana. O fato é que a simples possibilidade de clonar humanos tem suscitado discussões éticas em todos os segmentos da sociedade. Por que clonar? Quem deveria ser clonado ? Quem iria decidir? Quem será o pai ou a mãe do clone? O que fazer com os clones que nascerem defeituosos?, são questões sempre em pauta.
Na verdade, o maior problema ético atual é o enorme risco biológico
associado à clonagem reprodutiva. No meu entender, seria a mesma coisa
que discutir os prós e os contras da liberação de uma medicação nova,
cujos efeitos são devastadores e ainda totalmente incontroláveis.
Apesar de todos os argumentos contra a clonagem humana reprodutiva,
experiências com animais clonados têm-nos ensinado muito acerca do
funcionamento celular. Por outro lado, a tecnologia de transferência de
núcleo para fins terapêuticos, a chamada clonagem terapêutica, poderá
ser extremamente útil para obtenção de células-tronco.
A TÉCNICA DE CLONAGEM TERAPÊUTICA PARA OBTENÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO
Se pegarmos o óvulo cujo núcleo foi substituído pelo núcleo de uma
célula somática e, em vez de inseri-lo em um útero, deixarmos que ele se
divida no laboratório, teremos a possibilidade de usar essas células
que, na fase de blastocisto, são pluripotentes, para fabricar diferentes
tecidos. Isso abrirá perspectivas fantásticas para futuros tratamentos,
porque hoje só se consegue cultivar em laboratório células com as
mesmas características do tecido de onde foram retiradas. É importante
que as pessoas entendam que, na clonagem para fins terapêuticos, serão
gerados apenas tecidos, em laboratório, sem implantação do óvulo no
útero. Não se trata de clonar um feto até alguns meses dentro do útero
para depois retirar-lhe os órgãos, como alguns acreditam. Também não há
por que chamar esse óvulo, após a transferência de núcleo, de embrião
porque ele nunca terá esse destino.
Pesquisa publicada na revista Science, por um grupo de
cientistas coreanos (Hwang e col, 2004) confirmou a possibilidade de
obter células-tronco pluripotentes a partir da técnica de clonagem
terapêutica ou transferência de núcleos (TN). O trabalho foi feito
graças a participação de 16 mulheres voluntárias que doaram ao todo 242
óvulos e células cumulus (células que ficam ao redor dos óvulos) para
contribuir com pesquisas visando à clonagem terapêutica. As células
cumulus, que já são diferenciadas, foram transferidas para os óvulos dos
quais haviam sido retirados os núcleos. De todos eles, 25% conseguiram
dividir-se e chegar ao estágio de blastocisto, portanto capazes de
produzir linhagens de células-tronco pluripotentes.
A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar rejeição se o
doador fosse a própria pessoa. Seria o caso, por exemplo, de
reconstituir a medula em alguém que se tornou paraplégico após um
acidente ou para substituir o tecido cardíaco comprometido por um
infarto. Entretanto, essa técnica tem limitações. No caso dos afetados
por doenças genéticas, o doador não poderia ser a própria pessoa, pois a
mutação patogênica causadora da doença está presente em todas as
células. Usar linhagens de células-tronco embrionárias de outra pessoa
pode provocar o problema da compatibilidade entre o doador e o receptor.
Seria o caso, por exemplo, de um indivíduo afetado por distrofia
muscular progressiva que necessita substituir tecido muscular.
Ele não poderia utilizar-se de suas próprias células-tronco, mas
teria de recorrer a um doador compatível, eventualmente, um parente
próximo. Além disso, não sabemos se as células obtidas de uma pessoa
idosa com doença de Alzheimer, por exemplo, uma vez clonadas, teriam a
mesma idade do doador ou seriam células jovens. Outra questão em aberto
seria a reprogramação dos genes que poderiam inviabilizar o processo,
dependendo do tecido ou do órgão a ser substituído.
Em resumo, por mais que sejamos favoráveis à clonagem terapêutica,
trata-se de uma tecnologia que necessita de muita pesquisa antes de ser
aplicada no tratamento clínico. Por esse motivo, a curto prazo, a grande
esperança para terapia celular vem da utilização de células-tronco de
outras fontes.
TERAPIA CELULAR COM OUTRAS FONTES DE CÉLULAS-TRONCO
a) Indivíduos adultos
Existem células-tronco em vários tecidos (medula óssea, sangue,
fígado) de crianças e adultos. Entretanto, a quantidade é pequena e não
sabemos ainda em que tecidos são capazes de diferenciar-se. Pesquisas
recentes mostraram que células-tronco retiradas da medula de indivíduos
com problemas cardíacos foram capazes de reconstituir o músculo do seu
coração, o que abre perspectivas fantásticas para o tratamento de
problemas cardíacos. A maior limitação dessa técnica – autotransplante
-, porém, é não servir para portadores de doenças genéticas.
É importante lembrar que as doenças genéticas afetam entre 3% e 4% das crianças que nascem, ou seja, mais de cinco milhões de brasileiros, se considerarmos uma população de 170 milhões de habitantes. É verdade que nem todas as doenças genéticas poderiam ser tratadas com células-tronco, mas, se pensarmos somente nas doenças neuromusculares degenerativas que afetam uma em cada mil pessoas, estaremos falando em quase 200.000 pacientes.
É importante lembrar que as doenças genéticas afetam entre 3% e 4% das crianças que nascem, ou seja, mais de cinco milhões de brasileiros, se considerarmos uma população de 170 milhões de habitantes. É verdade que nem todas as doenças genéticas poderiam ser tratadas com células-tronco, mas, se pensarmos somente nas doenças neuromusculares degenerativas que afetam uma em cada mil pessoas, estaremos falando em quase 200.000 pacientes.
b) Cordão umbilical e placenta
Pesquisas recentes vêm mostrando que o sangue do cordão umbilical e
da placenta são ricos em células-tronco. Entretanto, também não sabemos
ainda qual é o potencial de diferenciação dessas células em diferentes
tecidos. Se as pesquisas com células-tronco de cordão umbilical derem os
resultados esperados, isto é, se as células-tronco forem realmente
capazes de regenerar tecidos ou órgãos, essa será certamente uma notícia
fantástica, porque não envolve questões éticas. Ainda assim, porém,
teremos de resolver o problema de compatibilidade entre as
células-tronco do cordão doador e o receptor. Para tanto, será
necessário criar, com a maior urgência, bancos de cordão públicos à
semelhança dos bancos de sangue, porque se sabe que quanto maior o
número de amostras de cordão em um banco, maior a chance de achar um
doador compatível.
Experiências recentes já demonstraram que o sangue do cordão
umbilical é o melhor material para substituir a medula em casos de
leucemia. Por isso, a criação dos bancos de cordão é prioridade que se
justificaria somente pelo fato de servirem de base para o tratamento de
doenças sanguíneas, mesmo antes de serem confirmados os resultados de
outras pesquisas.
c) Células embrionárias
Se as células-tronco de cordão tiverem a potencialidade desejada, a
alternativa será o uso de células-tronco embrionárias obtidas de
embriões não utilizados e que são descartados em clínicas de
fertilização. Opositores ao uso de células embrionárias para fins
terapêuticos argumentam que isso poderia gerar um comércio de óvulos ou
que “embriões humanos” seriam destruídos e não é ético destruir uma vida
para salvar outra.
ASPECTOS ÉTICOS
Apesar desses argumentos, o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, obtidas tanto pela transferência de núcleo como de embriões descartados em clínicas de fertilização, é defendido por todos aqueles, e são muitos, que poderão beneficiar-se com a aplicação dessa técnica e pela maioria dos cientistas.
Apesar desses argumentos, o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, obtidas tanto pela transferência de núcleo como de embriões descartados em clínicas de fertilização, é defendido por todos aqueles, e são muitos, que poderão beneficiar-se com a aplicação dessa técnica e pela maioria dos cientistas.
As 63 academias de ciência do mundo, que se posicionaram contra a
clonagem reprodutiva, defendem as pesquisas com células embrionárias
para fins terapêuticos. Em relação aos que acham que a clonagem
terapêutica pode abrir caminho para clonagem reprodutiva, devemos
lembrar que existe uma diferença intransponível entre os dois
procedimentos: a implantação e a não implantação em um útero humano.
Basta proibir a implantação no útero!
Se pensarmos que qualquer célula humana pode ser teoricamente clonada
e gerar um novo ser, poderemos chegar ao exagero de achar que toda vez
que tiramos a cutícula ou arrancamos um fio de cabelo, estamos
destruindo uma vida humana em potencial. Afinal, o núcleo de uma célula
da cutícula poderia ser colocado em um óvulo enucleado, inserido em um
útero e gerar uma nova vida!
Por outro lado, a cultura de tecidos é prática comum em laboratório,
apoiada por todos. A única diferença, no caso, seria o uso de óvulos
(quando não fecundados são apenas células) que permitiriam a produção de
qualquer tecido no laboratório. Ou seja, em vez de poder produzir
apenas um tipo de tecido, já especializado, o uso de óvulos permitiria
fabricar qualquer tipo de tecido. O que há de antiético nisso?
Quanto ao comércio de óvulos, não seria a mesma coisa do que já ocorre com o transplante de órgãos? Não é mais fácil doar um óvulo do que um rim? Cada um de nós pode fazer a si próprio esta pergunta: “Eu doaria um óvulo para ajudar alguém? Para salvar uma vida?”.
Quanto ao comércio de óvulos, não seria a mesma coisa do que já ocorre com o transplante de órgãos? Não é mais fácil doar um óvulo do que um rim? Cada um de nós pode fazer a si próprio esta pergunta: “Eu doaria um óvulo para ajudar alguém? Para salvar uma vida?”.
No que se refere à destruição de “embriões humanos”, novamente
devemos lembrar que estamos falando de cultivar tecidos ou, futuramente,
órgãos a partir de embriões que são normalmente descartados e que nunca
serão inseridos em um útero. Sabemos que 90% dos embriões gerados em
clínicas de fertilização e inseridos num útero nas melhores condições
possíveis não geram vida. Além disso, um trabalho recente (Mitalipova et
al., 2003) mostrou que células obtidas de embriões de má qualidade, que
não teriam potencial para gerar uma vida, mantêm a capacidade de gerar
linhagens de células-tronco embrionárias e, portanto, de gerar tecidos.
Em resumo, é justo deixar morrer uma criança ou um jovem afetado por
uma doença neuromuscular letal para preservar um embrião cujo destino é o
lixo? Um embrião que, mesmo implantado em um útero, teria potencial
baixíssimo de gerar um indivíduo? Ao usar células-tronco embrionárias
para regenerar tecidos em uma pessoa condenada por uma doença letal, na
realidade não estamos criando vida? Isso não é comparável ao que se faz
hoje nos transplantes, quando se retira os órgãos de uma pessoa com
morte cerebral (mas que poderia permanecer em vida vegetativa
indefinidamente)?
É extremamente importante que as pessoas entendam a diferença entre
clonagem humana, clonagem terapêutica e terapia celular com
células-tronco embrionárias antes de assumir uma posição contrária. Por
outro lado, também não podemos acreditar que as células-tronco sejam
capazes de curar todas as doenças humanas. As pesquisas que estão se
iniciando agora serão fundamentais para responder inúmeras questões
sobre o potencial das células-tronco adultas em comparação com o das
embrionárias, sobre as doenças que poderão ser tratadas e quais serão os
benefícios e riscos da terapia celular.
REFERÊNCIAS
Hochedlinger K, Jaenish R (2003): Nuclear transplantation, embryonic
stem cells and the potential for cell therapy. N. Engl. Journal of
Medicine 349:275-212
Mitalipova M, Calhoun J, Shin S, Wininger D et al. (2003): Human
embryonic stem cells lines derived from discarded embryos. Stem cells
21:521-526
Rhind SM, Taylor JE, De Sousa PA, King TUI, McGarry M, Wilmut I
(2003): Human Cloning: can it be made safe? Nature reviews 4:855-864
Hwang SW, Ryu YJ, Park JH, Park ES, Lee EG, Koo JM et al. (2004) :
Evdence of a plurpotent embryonic stem cell line derived from a cloned
blastocyst. Scienceexpress: !2 de fevereiro
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